Depois de analisar 945 sugestões sobre as regras para as Eleições de 2024, o TSE aprovou as resoluções que vão reger o pleito municipal deste ano na última terça-feira, 28. Entre as novidades está a vedação do uso de deepfakes pelos candidatos e partidos políticos em propaganda eleitoral, podendo ser considerado abuso de utilização dos meios de comunicação. A consequência é a cassação do registro ou do mandato.
Houve ainda a restrição ao uso de chatbots e avatares para intermediar a comunicação da campanha. Neste caso, está proibida a simulação de interlocução com candidato ou outra pessoa real. Há ainda a exigência de rótulos de identificação de conteúdo sintético multimídia – fotos ou vídeos gerados ou manipulados digitalmente.
A inteligência artificial só poderá ser usada na propaganda eleitoral caso tenha um aviso claro e explícito, que não deixe dúvidas de que aquele conteúdo foi gerado por meio de uma IA.
Outro ponto estipulado é que toda live eleitoral constitui ato de campanha eleitoral, sendo vedada, portanto, a transmissão ou a retransmissão por canais de empresas na internet ou por emissoras de rádio e TV, sob pena de configurar tratamento privilegiado durante a programação normal.
Responsabilização das plataformas
O texto prevê a responsabilização das plataformas que não retirarem do ar, imediatamente, conteúdos que contenham discursos de ódio ou teor antidemocrático, entre outros.
Flávia Lefèvre, advogada especialista em direito do consumidor e direito digital, explica que a nova resolução do TSE responsabiliza as plataformas digitais pelo conteúdo impulsionado por atos próprios para a propagação de conteúdos políticos. Ou seja, a própria plataforma impulsiona conteúdos alheios a fim de ganhar mais cliques, impulsionamentos e, com isso, mais receita. E, nessas eleições municipais, haverá punição para isso.
“Esta resolução está de acordo com o Marco Civil da Internet (MCI), que responsabiliza as plataformas por seus próprios atos, e também com o Código de Defesa do Consumidor, que obriga os fornecedores a garantir segurança e reduzir a vulnerabilidade dos usuários na rede”, conta.
O MCI restringe a responsabilidade dessas empresas quando se trata de conteúdos de terceiros impulsionados por terceiros. “O que é correto”, comenta. “Essa é uma medida para garantir a liberdade de expressão e a plataforma só é punida quando recebe uma ordem judicial e não a cumpre”, continua. “Mas isso não quer dizer que as plataformas não respondam por atos próprios. Elas impulsionam conteúdos – políticos muitas vezes – para benefício próprio, ou seja, para gerar mais cliques, mais engajamento. Trata-se de uma prática comercial e sobre como regulam os seus sistemas algorítmicos para impulsionamento e, com isso, aumentar o alcance de um determinado conteúdo”, completa.
No geral, os especialistas ouvidos por Mobile Time aplaudem as resoluções no que tange a proibição das deepfakes.
“Ao impedir o uso desse tipo de conteúdo enganoso, o TSE está protegendo a integridade do processo democrático e garantindo que os eleitores tenham acesso a informações verdadeiras e confiáveis durante o período eleitoral”, afirma Paulo Henrique Fernandes, advogado especialista de inteligência artificial no Viseu Advogados.
Adilson Batista, especialista em marketing, inteligência artificial, tecnologia e consultoria empresarial, afirma que as regras sobre inteligência artificial vão ajudar a criar um “arcabouço legal com o objetivo de eventuais punições posteriores”. Porém, na prática, o TSE não conseguirá coibir seu uso porque as resoluções não são leis, mas, sim, um referencial. “As regras servem mais como um referencial e um marco para que, depois, as candidaturas possam ser julgadas com base nisso”, completa.
Batista acha que essas eleições de 2024 ainda vão sentir o efeito do uso de IA de maneira ilícita, uma vez que as eleições são capilarizadas, nos 5.570 municípios do país. Para ele, as normas chegaram tarde e que há pouco tempo para se fazer campanhas educativas para explicar o que são deepfakes, áudio fakes e o que são conteúdos gerados de forma sintética por IA.
Para Fernandes, o desafio será fiscalizar e identificar o conteúdo gerado por IA e punir os infratores. “Considerando que esse conteúdo pode ser mesclado, inserido em pequenas frações, como em um detalhe de uma imagem, por exemplo, me parece difícil monitorar todo o conteúdo, sobretudo sem o uso de outros tipos de inteligência artificial, como algoritmos delatores para varredura e detecção desses conteúdos”, diz.
Paula Rodrigues, sócia do Daniel Advogados, lembra que o uso de deepfakes pode causar uma má reputação ao candidato.
“O potencial de disseminação de desinformação pode prejudicar a reputação de candidatos e até mesmo, em alguma instância, manipular o voto das pessoas”, diz. Outro ponto é que as pessoas ainda não sabem o que é deepfake e o público terá dificuldades para identificar a veracidade ou a falsidade de um conteúdo.
Vale dizer que, se restar comprovado que o candidato usou deepfake em campanha, poderá ter o registro ou o mandato cassado, inclusive com apuração de responsabilidade de acordo com o Código Eleitoral.
No entanto, Matheus Puppe, sócio da área de TMT, Privacidade & Proteção de Dados do Maneira Advogados, entende que o uso de deepfakes não está de um todo proibido, mas restrito.
“Quando utilizados de forma responsável e claramente identificados como conteúdo gerado por IA, os deepfakes, podem representar uma ferramenta poderosa para ampliar o alcance das mensagens dos candidatos, possibilitando a criação de conteúdos inovadores e engajadores que ressoem com diferentes segmentos do eleitorado. Essa abordagem permite que a tecnologia sirva como um amplificador democrático, desde que haja transparência e a devida sinalização de que se trata de conteúdo sintético”, acredita.
Puppe, no entanto, enxerga as resoluções do TSE como “pertinentes para assegurar uma eleição menos conturbada e com menos desinformação”. Para o advogado, é importante aplicar a lei quando se trata de uso indevido da tecnologia, mas, por outro lado, “reconheça e incentive seu potencial em fortalecer o diálogo democrático e a participação eleitoral. A chave está em encontrar o equilíbrio certo entre regulamentação e liberdade de expressão, assegurando que a inovação tecnológica seja um aliado na construção de uma sociedade mais informada, engajada e democrática”, conclui.
Chatbots
Rodrigues aposta que a restrição de uso de chatbots e avatares para intermediar a comunicação da campanha de certa forma, contribui para um ambiente eleitoral mais transparente e confiável. Mas vale dizer que implementar essas medidas não é uma solução definitiva para todos os desafios – segurança cibernética e educação do eleitorado, por exemplo, são bastante relevantes para garantir a integridade das eleições.