O mundo caminhou pouco para o desenvolvimento de uma Identidade Digital Universal. Em conversa com a imprensa especializada nesta quarta-feira, 28, Patrícia Peck, especialista em direito digital e fundadora do escritório Peck Advogados, compartilhou alguns temas que devem ser debatidos nos próximos anos dentro do direito digital, entre eles o direito à identidade e à posse no mundo digital.
“Como a Internet foi crescendo em termos privados, e fomos discutindo a soberania de estados e territorialidade (no ambiente online), cada País continuou separado um do outro. Não se pensou em um modelo de construção de ID Digital Universal, com single sign-on, que impedisse perfis falsos em qualquer ambiente, serviço ou plataforma criada”, comentou.
“Vivemos uma esquizofrenia em se tratando de identidade hoje. A pessoa tem uma identidade dentro de uma plataforma. Tem a identidade do Estado, como o passaporte, a certidão de nascimento ou o RG. Ou seja, você tem cinco a seis documentos para demonstrar a validade de sua identidade e mais aqueles que a pessoa vai construindo, como perfis”, completou.
Na visão da especialista, o conceito de uma ID Digital Universal “forte e válida” com um “protocolo validado e chancelado” por diferentes países precisa ter espaço em órgãos internacionais, como a ICANN (The Internet Corporation for Assigned Names and Numbers); e essas conversas devem convergir para combater temas caros à sociedade, como fraudes, roubo de dados, roubo de identidade e até de avatares no metaverso.
Brasil
Peck explicou que, no atual momento, o Brasil tem a regulação local para a emissão de identidade, mas os “ambientes digitais precisam de uma padronização” e de “checagem”. Para isso, os países precisam discutir também como e onde colocariam o repositório de verificação de identidade: “O mais próximo que chegamos disso (repositório) foi a carteira da saúde durante a pandemia com a OMS, uma carteira internacional para ser acessada em plataforma digital. Precisaríamos pensar os próximos 20 anos, ainda mais com smart cities e elementos de IoT (chegando à sociedade)”, analisou.
O tema da identidade digital foi adicionado como Enunciado 677 (espécie de sugestões para o corpo jurídico) na IX Jornada de Direito Civil que teve o ministro Luís Felipe Salomão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) como coordenador científico e Peck como uma das colaboradoras.
“Reconhecida a tutela da pessoa humana em todos os espectros e o correspectivo direito à diferença, e analisando o paralelismo com o conteúdo do direito à igualdade, exsurge, essencialmente, o direito de manifestar a singularidade inata em cada ser humano como valor inerente à personalidade, especialmente nas relações travadas em ambiente digital. O respeito à alteridade e às peculiaridades da relação entre o eu e o outro, exige, agora sob os contornos do componente tecnológico, tratamento conformado com os valores constitucionais”, apontou trecho do Enunciado.
Posse, herança digital e metaverso
Outras duas sugestões do documento da Justiça Federal abordam a Herança e o Patrimônio Digital (Enunciado 687) que podem ter reflexos em direito a marcas e contas em redes sociais no metaverso. Segundo Henrique Rocha, sócio no escritório Peck Advgados, a partir da recomendação da Justiça Federal, um patrimônio digital pode integrar o espólio de bens na sucessão legítima.
Em relação à posse de bens digitais, Peck declarou que, embora o tema esteja em voga, ainda não há regulamentação. Dito isso, o momento da posse de bens em ambientes digitais ainda está em um momento de “regras contratuais” e “autorregulação”, de forma similar ao desenho feito no ecossistema de aplicativos móveis. A advogada acredita que o tema deve ser discutido em foros multinacionais, e não deve ser feito de maneira unilateral.
“O direito digital deveria emprestar muitos dos tratados internacionais para construir essas regras. Caso o Brasil escreva uma lei nacional ela pode se tornar restritiva em negócios e inovação”, disse. “Veja, nós colocamos um Enunciado de direito de herança digital. E estamos aplicando o direito de portabilidade de dados digitais no artigo 18 da LGPD. Imagine em bens?”, questionou a especialista, ao dizer que este será um longo caminho até a regulamentação.