|Publicado originalmente no Teletime| A proposta de edital trazida pelo conselheiro da Anatel Carlos Baigorri para ser votada na segunda feira, dia 1, trouxe uma surpresa para as operadoras e fornecedores de telecomunicações: a obrigação de que as vencedoras do leilão adotem, na faixa de 3,5 GHz, a tecnologia 5G NR Release 16 do 3GPP, com requisitos necessários para a viabilização dos conceitos de baixíssimas latências (URLCC), altíssima confiabilidade (mMTC) e capacidade ampliada de banda larga (eMBB). Essa sopa de siglas e termos técnicos se traduz, para as operadoras, na prática, em uma exigência para que as teles adotem uma rede “standalone”, ou seja, uma rede nova, desvinculada das celulares existentes. Essa obrigação exige mais investimentos, e induz a adoção de determinados modelos de negócio pelas empresas. Esta, pelo menos, é a posição de Claro e Vivo, que já se manifestaram junto à Anatel em protesto contra esse dispositivo da proposta do relator. Elas estão considerando esse problema, nesse momento, muito mais grave do que a questão da migração dos canais de TV em banda C para a banda Ku (como forma de contornar o problema de interferências), ou a indenização a ser paga aos operadores de satélite. Já a TIM entende que essa exigência da Anatel pelo 5G Release 16 traz aspectos positivos.
Entre os argumentos contrários ao que a Anatel está propondo está o fato de que muitos investimentos nas redes já foram feitos em preparação para o 5G. O que deixa as operadoras de cabelo em pé é que estes investimentos foram planejados pensando em uma evolução gradual da tecnologia, sem queimar etapas e ofertando serviços evolutivamente conforme a demanda e as condições do mercado. Tanto é que a Claro, por exemplo, foi a primeira operadora a lançar o 5G em cima das frequências atuais, no modelo DSS, que ainda não tem todas as características do 5G pleno, mas já tem muitas melhorias em relação ao 4G. A Vivo fez o lançamento da tecnologia DSS na sequência, e depois foi a vez da TIM anunciar. Não por acaso, a ordem de lançamento do 5G DSS pelas operadoras acompanha a quantidade de espectro que cada uma tem nas faixas destinadas ao 4G, e nesse sentido a Claro é quem tem a posição mais confortável (em função da compra da Nextel).
O DSS foi apenas um primeiro passo para gradualmente evoluir os serviços atuais para o 5G. Mas boa parte dos investimentos em 4G das operadoras já foi feita pensando em uma evolução para o 5G. O caminho natural seria começar com funcionalidades como as do DSS e depois as previstas no Release 15, como acontece com todas as operações de 5G existentes hoje no mundo (ainda não há redes no Release 16). O que a Anatel está fazendo é subindo a barra e obrigando as operadoras a queimarem etapas, o que significa refazer as contas e ampliar os investimentos no curto prazo. “A Anatel está querendo impor um modelo de negócios para nós. Mas ela desconsidera que a tecnologia não pode estar descasada do mercado. Não posso gastar mais para fazer uma rede se aquilo não tem retorno previsto”, enfatiza uma fonte de operadora.
Neutralidade tecnológica
Outro argumento usado para contestar a razão pela qual a Anatel estaria querendo impor o Release 16 e exigir requisitos necessários para os conceitos de URLCC, mMTC e eMBB é o fato de que a agência sempre manteve um limite entre impor tecnologias e determinar os modelos de negócio. Mesmo no passado, quando a Anatel já condicionou a outorga de faixas à adoção de LTE (4G), por exemplo, não havia esse grau de detalhamento na capacidade e especificações. “Quando a Anatel exige que eu adote um determinado requisito para fazer A ou B, está dizendo onde o operador tem que estar em termos de arquitetura de rede no ponto de partida”, diz um fornecedor. Segundo esta fonte, o Release 16 certamente seria o caminho natural, mas as operadoras teriam como fazer gradualmente, aproveitando a estrutura legada. “Quando exige compatibilidade com URLCC (baixíssimas latências) ou mMTC (altíssima confiabilidade) a agência está, na prática, mandando fazer uma rede do zero”, analisa a fonte. Isso significa, diz, que uma rede “standalone” passa a ser necessária. “O release 16, por si só, não obriga o desenvolvimento de uma rede ‘standalone’. As especificações das redes standalone, aliás, foram estabelecidas no Release 15 do 5G, e em ambos é possível fazer redes ‘standalone’ ou ‘non-standalone’. Mas quando coloca os requisitos mínimos, aí o ‘standalone’ torna-se inevitável”, opina um consultor. Vale lembrar que o conceito de redes “non-standalone” é mais interessante no curto prazo para as operadoras pois permite utilizar parte da rede legada do 4G, enquanto o “standalone” é uma rede nova.
Outro argumento contrário ao que a Anatel está estabelecendo é que essa exigência encarece o edital, pois ao colocar a referência no Release 16, a agência passa a considerar no plano de negócios que estabeleceu os valores das faixas muitos serviços que serão lançados apenas no futuro, e sobre os quais ninguém ainda tem certeza da viabilidade no Brasil. Se considerasse o Release 15, que é o que existe hoje na maior parte das redes, a agência teria parâmetros mais realistas de mercado para estimar o valor das frequências. ” No mundo, hoje, não existem nem 10 redes ‘standalone’, e o que existe de modelos de negócio não está baseado nesses conceitos de latência e confiabilidade que a Anatel propôs”, diz um fornecedor.
Subindo a barra
Mas há quem apoie a iniciativa da Anatel de exigir já a implantação do 5G NR Release 16, especialmente na forma de redes standalone. “A agência sobe a barra e garante que o 5G começa no Brasil no estado da arte. É quase uma política pública que sinaliza quais os tipos de serviço que se quer ver viabilizados no futuro”, diz uma fonte. Outro argumento apontado para a imposição de um “piso tecnológico” é que o edital prevê a entrada de novos operadores, e com isso todos entrariam nas mesmas condições competitivas, já que as redes “non-standalone” dão vantagens aos atuais operadores.
A TIM tem sido uma das operadoras que mais tem falado sobre os aspectos positivos de se ter uma rede standalone para o 5G e, segundo apurou este noticiário, apoia a posição da Anatel. Foi ela, inclusive, uma das empresas que deu argumentos técnicos para a agência introduzir a exigência do Release 16. Para a operadora, o 5G permite uma revolução nos modelos de negócio, mas isso só virá com redes com plenas funcionalidades. “Às vezes, a demanda para determinados modelos parece não existir, mas quando a tecnologia surge, cria-se um mercado”, diz uma fonte.