A recente onda de inteligência artificial (IA) generativa, capitaneada pelo ChatGPT, trouxe consigo algumas problemáticas. Entre elas, está a dificuldade em reconhecer a propriedade intelectual dos trabalhos no qual essas ferramentas se baseiam para criar textos, imagens e outros conteúdos. Por isso, é urgente uma legislação que lide com o tema, segundo Victor Habib, advogado, professor, pesquisador e autor em direito digital.
Seu artigo “O Papel da Propriedade Intelectual no Fomento à Inovação: Uma Perspectiva Legal sobre Criações por Inteligência Artificial”, segundo colocado do 1º Prêmio Ericsson de Produção Acadêmica sobre Propriedade Intelectual, investiga o tema, que pauta um capítulo de um livro sobre direito digital e inovação que está prestes a ser lançado.
“Não sabemos de onde vêm os dados que estão alimentando essas IAs. Por exemplo, um software de IA que gera imagens precisa ter como base outras imagens – e os artistas que fizeram essas imagens têm direito autorais. Por causa da falta de regulamentação na área, que é fundamental, não temos uma transparência com relação ao que foi usado para gerar essa determinada imagem”, conta.
Outro empecilho é que a IA pode se tornar quase como uma caixa preta. Muitas vezes, nem mesmo as companhias detentoras dessas ferramentas sabem explicar como ela chegou em determinado resultado final. É necessária uma investigação minuciosa para se entender qual foi a lógica por trás da criação. Algumas IAs, como o ChatGPT no Bing, especificam as fontes nas quais se baseou, como uma forma de contornar esse problema, que pode ser um pouco mais complexo em algumas situações.
Regulamentação
Para Habib, a regulamentação é importante para que artistas, intelectuais e outras pessoas tenham seus direitos autorais assegurados. Além disso, a legislação ajudará a resguardar a propriedade sobre a própria IA aos criadores e as empresas que investiram o dinheiro para o desenvolvimento dela. Ele defende que participem da discussão teóricos e pensadores da área jurídica e tecnológica.
Este é um caso sui generis – não há jurisprudência sobre o tema. A legislação de propriedade intelectual diz que para se ter o direito autoral sobre algo é preciso que o autor pense, planeje e execute na criação de determinada obra. No caso de uma obra feita por IA, o criador da IA tem interferência, no sentido de alimentar os dados, mas não no resultado final. Não é ele que pensa, planeja ou coloca em prática. Há diversos tipos de IAs generativas, e cada uma funciona de uma maneira.
“Não tem lei, nesse momento. Hoje em dia, é terra de ninguém”, afirmou. “Quanto mais rápido tivermos uma regulamentação, um estabelecimento de regras claras para inovação, no quesito de propriedade intelectual, é melhor. Você sabe a regra do jogo. Tem segurança jurídica e é melhor economicamente para o país e para todo o ecossistema ao redor”, defende.
DABUS
No seu artigo, ele contou sobre o caso do DABUS (Device for the Autonomous Bootstrapping of Unified Sentience), um sistema de IA que criou duas invenções, e que foi concebido por Stephen Thaler. O engenheiro entrou com ações, entre 2018 e 2019, na Europa, Reino Unido, Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia e África do Sul, pedindo que fosse reconhecido o direito autoral da IA. No caso, DABUS seria considerado o inventor, portanto seria sua a propriedade intelectual.
A resposta que obteve em quase todos os países foi de que não era possível conceder direito autoral à IA. O único local em que Thaler teve sucesso foi na África do Sul, que reconheceu a propriedade intelectual por parte do DABUS. Contudo, os juízes do país não responderam outros problemas que são gerados com base nessa decisão. Para onde vai o dinheiro gerado com royalties, por exemplo? Para a IA ou seu criador? O debate ainda pode ir para última instância, no país africano.
“Todas as decisões não se ativeram sobre o grau de precisão de uma IA, o que é originalidade, o que é criatividade. Até porque não tem nenhuma legislação, ninguém tem nenhuma base para decidir em relação a isso. Dependemos dos legisladores darem alguma base pra podermos seguir, porque senão vai continuar esse caos, como pessoas vendendo livros feitos pelo ChatGPT na Amazon”, afirma.