No mesmo dia em que toda a atenção da mídia especializada esteve voltada para a apresentação da próxima versão do Android, a Macadamia Nut Cookie, e para a chegada do Android Pay, o Google anunciou outra novidade que causará impacto significativo nos mercados de back-up pessoal, fabricação de handsets e publicidade móvel. Trata-se do novo aplicativo Google Fotos (Android, iOS).

Nunca se tirou tanta foto no mundo. A inclusão de câmeras nos celulares, a gradual melhoria da resolução das imagens gravadas por esses aparelhos e o barateamento dos smartphones transformaram todos nós em fotógrafos. Mas gerou também dois problemas: 1) ninguém tem mais tempo ou paciência para organizar tantas fotos; 2) a memória interna dos smartphones não está mais dando conta para armazenar tantas imagens, o que só piora com o aumento significativo da resolução das câmeras.

O Google Fotos procura resolver os dois problemas. O aplicativo organiza automaticamente a galeria de fotos tiradas pelo usuário em todo o seu histórico com aparelhos Android vinculados à sua conta no Google – no meu caso, por exemplo, estamos falando de cinco aparelhos que passaram pelas minhas mãos desde 2009. Há, sim, a organização cronológica, que é a mais óbvia, e que neste caso ganhou uma ferramenta de zoom-in e de zoom-out no tempo para facilitar a busca de imagens mais antigas. Porém, o que é revolucionário é a organização e a busca por pessoas, objetos, lugares ou eventos contidos nas imagens. Isso mesmo: tal como se faz uma busca de imagens na web pelo Google, agora é possível fazer o mesmo na sua biblioteca de fotos. Aproveitando anos e anos de aperfeiçoamento dos seus mecanismos de reconhecimento de imagens (já testaram o Google Goggles?), o Google trouxe essa experiência para o Google Fotos. Se eu pesquisar por "cachorro" dentro do app, recebo como resultado todas as fotos que tirei de cachorros nos últimos seis anos. Se pesquisar por "neve", vem as fotos que tirei em lugares nevados. Uma busca por "comida" mostra todas aquelas fotos de pratos deliciosos que publiquei no Instagram. E por aí vai. Tudo isso sem que eu tenha precisado adicionar uma única etiqueta em qualquer imagem. O processo é totalmente automatizado. Não tenho dúvidas de que se trata de uma revolução para os bilhões de fotógrafos amadores espalhados por aí. Em apenas um dia no ar, o Google Fotos superou 50 mil downloads. Tem tudo para chegar à casa do bilhão, tal como Google Maps, Gmail, YouTube e outros apps da empresa. E o barato é que o Google Fotos não foi criado para ser um diferencial exclusivo do Android: ele está disponível, com as mesmas funcionalidades, para iOS.

O problema da capacidade de armazenamento, por sua vez, também está resolvido: o Google oferece armazenamento ilimitado de fotos e vídeos com resolução de até 16 megapixels e 1080p, respectivamente. O back-up é feito automaticamente e a biblioteca de imagens fica vinculada à conta do Google do usuário, podendo ser acessada de qualquer dispositivo conectado à Internet.

Primeiro impacto

O impacto mais óbvio é sobre o mercado de serviços de back-up pessoal na nuvem. A necessidade de salvar fotos e vídeos gravados em smartphones é o principal driver desse mercado. Serviços como Dropbox e OneDrive oferecem um limite baixo de armazenamento gratuito para conquistar o cliente e depois passam a cobrar mensalidade. Como as pessoas não têm tempo para ficar descarregando as fotos em seus computadores, acabam optando por contratar esses serviços quando a memória dos seus smartphones se esgota. Aliás, alguns fabricantes tentam se diferenciar oferecendo mais espaço de graça nesses serviços: é o caso da Samsung, que dá 50 GB no Dropbox por dois anos aos seus clientes premium.

Mas com back-up ilimitado no Google disponível em smartphones Android e iOS, por que pagar pelo armazenamento com terceiros? Eu mesmo assinei o Dropbox de 1 TB e agora penso em cancelar. Esses serviços de back-up vão virar um produto de nicho, para quem quer guardar outros tipos de arquivos ou imagens em altíssima resolução. Cabe lembrar que a maioria dos smartphones hoje dificilmente tem câmeras com resolução superior a 16 MP. Aliás, os top de linha da Samsung e da Apple, o S6 Edge e o iPhone 6, respectivamente, estão dentro desse limite: o primeiro com 16 MP e o segundo com 8 MP. Lembro de alguns poucos modelos da Sony, da Microsoft e da Motorola com mais de 16 MP – com destaque para um da antiga Nokia que chegou a inacreditáveis 41 MP.

As operadoras também precisam botar as barbas de molho, pois um dos seus serviços de valor adicionado que mais vem fazendo sucesso ultimamente é justamente o back-up automático. O diferencial é que vale para outros conteúdos, como contatos e músicas, mas, mesmo assim, haverá uma natural canibalização por parte do Google Fotos.

Segundo impacto

A capacidade de armazenamento é uma das características mais valorizadas pelo consumidor em um smartphone. E ela impacta de maneira significativa no preço do aparelho. Não é à toa que a Apple segmenta os preços dos seus iPhones de acordo com a memória interna dos aparelhos (16 GB, 64 GB e 128 GB, no caso do iPhone 6). O aumento da resolução das câmeras tem gerado uma demanda por mais memória interna. Ao mesmo tempo, muitos fabricantes retiraram de seus modelos high-end o slot para cartão de memória microSD, o que restringe os consumidores à capacidade do aparelho. Para muitos, seria uma forma de "obrigar" o cliente a eventualmente comprar um smartphone novo, a não ser que tenha paciência para ficar limpando a memória, salvando e apagando fotos.

Esse jogo vira de cabeça para baixo a partir do momento em que o usuário tem armazenamento ilimitado de fotos e vídeos à sua disposição. Fará tanta diferença assim ter o iPhone de 64 GB ou de 128 GB agora?  É verdade que há apps, especialmente games, que requerem muita memória, assim como filmes baixados. Mas para uma parcela significativa dos consumidores que se preocupam com a memória do seu smartphone por causa de suas próprias fotos e vídeos, isso deixará de ser uma questão. Fabricantes de handsets, portanto, talvez mudem um pouco a sua estratégia. E pode haver um impacto sobre os fornecedores de componentes relacionados à memória interna.

Terceiro impacto

No mundo dos negócios é comum a expressão "não existe almoço grátis". O Google não está dando armazenamento ilimitado por filantropia. Provavelmente, as informações captadas sobre as pessoas e objetos contidos nas fotos e vídeos eventualmente servirão para que seus algoritmos aperfeiçoem ainda mais a entrega de publicidade personalizada. A tendência é melhorar a conversão da publicidade móvel via Google, o que também pode significar um aumento do seu preço para os anunciantes.

 

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