Engana-se quem pensa que a inteligência artificial, apesar de sua rápida evolução, esteja apta a contribuir para o setor da saúde imediatamente. Em conversa recente com Mobile Time, Toni Schrofner, chief officer da divisão médica da Dräger e membro do conselho da empresa de equipamentos médicos, explica que estamos a 10 ou até 20 anos de distância da visão similar aos filmes de ficção científica.

Porém, o executivo afirmou que o problema não está relacionado à falta de tecnologia, mas aos desafios regulatórios, interoperabilidade, conectividade, segurança e negócios. O profissional da Dräger acredita que o setor de saúde ainda é “altamente regulado” e a IA precisará de garantias para atuar no setor. Além disso, os hospitais passam por uma pressão global por redução de custos e falta de estafe.

Hospitais

Neste cenário, o executivo lembra que muitos hospitais ainda estão na era da “pedra lascada” quando o assunto é evolução tecnológica. Embora o setor tenha evoluído do analógico para o digital nos anos 2000, e depois para a conectividade a partir de 2010, há muitas instituições que ainda usam dispositivos cabeados, o que dificulta a transmissão e proteção de dados, além da evolução em protocolos e interconectividade.

Paulo Pinto, diretor-presidente da Dräger no Brasil, dá como exemplo a conectividade nas UTIs. O executivo reforça que 75% dos equipamentos de uma Unidade de Tratamento Intensivo não estão conectados, o que aumenta o esforço de manter a base de dispositivos atualizada.

Por outro lado, o setor de saúde precisa passar por uma jornada aberta de dados (Open Health). Inclusive, a Europa já avançou com essa regulação. Schrofner explica que os hospitais precisam se agilizar para esta evolução, mas, novamente, há receios com privacidade, segurança, custos, conectividade e interoperabilidade.

Tecnologia

A própria Dräger apresentou em 2022 uma solução de interoperabilidade em parceria com as competidoras Epic, Or.Net e Ascom. Batizada como Service-oriented Device Connectivity (SDC), a solução permite que os alarmes de uma UTI passem pelos sistemas e equipamentos do hospital e alertas são enviados aos dispositivos móveis dos médicos.

Os alertas são enviados por meio do SDC e do HL7, o modelo mais usual para troca de dados na indústria de saúde. Com isso, Schrofner diz que há um caminho para a interoperabilidade, começando por comunicar os dispositivos com o sistema da UTI, além de eliminar o lock-in – quando o hospital precisa ter todos os devices e sistemas de uma única empresa.

“O lock-in não é um benefício. Por isso avançamos com o SDC”, afirma. “Este é o primeiro passo. Veja, dois anos atrás nós não falávamos de padrões abertos. Mas agora os hospitais (mais avançados) começam a usar os novos padrões”.

Como exemplo, Schrofner citou o recente hospital infantil de Dublin, na Irlanda. O local recebeu um investimento de 1,6 bilhão de euros para atender a população local, mas os equipamentos usados eram conectados e preparados para a interconectividade.

Usos

Exemplificando sobre o potencial de uso da tecnologia no setor, Schrofner acredita que a IA pode ser empregada para ajudar os profissionais com as rondas nas UTIs/CTIs, uma vez que a tecnologia pode enviar alertas e avisar os status dos pacientes por meio de algoritmos e equipamentos conectados.

Mais recentemente, a companhia apresentou dois equipamentos para o mercado brasileiro, um monitor de pacientes (Vista 300) e o anestésico com ventilação mecânica (Atlan A100), ambos digitais e conectados para ajudar as equipes médicas a tomarem decisão em tempo real e ajudam a reduzir em até 40 minutos as rondas, ainda sem IA embarcada – só com a análise de dados dos devices.

Modelo de negócios

Neste novo universo que caminha para a conectividade e a interoperabilidade, a Dräger também começa a oferecer novos formatos de negócio. O executivo da divisão médica relata que os hospitais, em especial pela pressão por redução de custos, estão caminhando para um modelo de ‘pay per use’ e de assinatura. É o caso dos dispositivos anestésicos, que começam a ter cobrança por aplicação e não pela compra ou aluguel  do aparelho.

Os hospitais privados, explica, são aqueles que mais tendem a avançar neste formato. Trazendo para o mercado brasileiro, Paulo Pinto, diretor-presidente da Dräger, diz que já existe essa demanda em redes de hospitais no Brasil.

Porém, o chefe médico da companhia diz que o modelo de negócios pode mudar para um formato próximo ao SaaS, apesar de a Dräger seguir como companhia de hardware (com HaaS).

Imagem principal: Arte de Nik Neves para Mobile Time