Este é o julgamento mais importante do ano do STF. Com esta frase Alexandre de Moraes abriu a palavra para os ministros do Supremo, logo após as falas dos amigos da corte nesta quinta-feira, 28, durante o julgamento sobre a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (MCI). Dias Toffoli foi mais ousado. “É um dos casos mais importantes que julgamos nos 15 anos em que estou nesta bancada”.

Nesta quinta-feira, 28, os ministros continuaram ouvindo amigos da corte (amicus curiae). Ao todo, entre quarta e hoje, foram 18 ouvidos, sendo somente nesta quinta, dez, entre instituições, governo federal e empresas. A sessão foi encerrada pouco após Toffoli iniciar a leitura de seu voto e deve recomeçar na sexta-feira, 29.

Confira como se declararam os participantes:

Pela constitucionalidade

Pela inconstitucionalidade

Pela mudança no artigo 19

Facebook

União (AGU)Sleeping Giants

Google

Instituto para o Desenvolvimento do Varejo

Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo

ByteDance

Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV

Idec

TwitterConfederação Israelita do Brasil

Associação Brasileira de Centro de Inclusão Digital

Mercado Livre

Ministério Público de São PauloInstituto Alana

Fundação Wikimedia

Instituto dos Advogados de São Paulo

 Amigos da Corte pela Inconstitucionalidade

artigo 19; Brasilcon

Advogada representante do Instituto de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon), Simone Magalhães. Crédito: reprodução de imagem

A advogada representante do Instituto de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon), Simone Magalhães, defendeu a teoria de que o artigo 19 promove distorções e esvazia o Código de Defesa do Consumidor ao exigir a judicialização de conflitos entre usuários e plataformas digitais. A Brasilcon acredita que para o consumidor, a judicialização é um esforço além e cansativo a ser dado.

“No contexto real, prático, para a população geral, é árduo, caro buscar a justiça. O consumidor não tem fôlego suficiente para ir até o final. Uma ação judicial evolui em instâncias, o consumidor vai ficando para trás”, explicou.

“Se as empresas identificam preferências e direcionam publicidades, a tecnologia deve também ser eficaz para promover segurança para que consigamos estar protegidos quando estamos usando essas tecnologias”, complementou a advogada do Brasilcon.

O advogado da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Marcelo Lamego Ferreira, lembrou que monitorar conteúdos de terceiros é algo que faz parte da rotina dos seus associados, que são responsabilizados diariamente pelo conteúdo de terceiros publicados nas emissoras, caso a investigação aponte para ilicitude deste material.

Assim, ao comparar os dois universos, seria como se as emissoras de rádio e TV censurassem frequentemente conteúdos de terceiros. “Se não fosse assim, boa parte da imprensa nacional estaria submetida à censura porque todas elas respondem pelas publicações que fazem (de terceiros)”, disse.

artigo 19; Abert

Advogado da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Marcelo Lamego Ferreira. Crédito: reprodução de imagem

Amigos da Corte – pela constitucionalidade

Entre aqueles que defenderam a constitucionalidade do artigo 19, a advogada representante do Facebook lembrou casos em que a Justiça decidiu pela manutenção das publicações de conteúdos críticos, como, por exemplo, quando consumidores fizeram uma página na rede social para reclamar de uma concessionária de saneamento e de seus serviços prestados.

“É incompatível com a Constituição Federal impor aos provedores de aplicação de Internet o dever de fiscalização prévia de conteúdos gerados por terceiros. É também incompatível com a constituição a imputação de responsabilidade civil de forma ampla e irrestrita pelo não atendimento de notificações extrajudiciais para a remoção de conteúdo”, defendeu.

No entanto, Toffoli lembrou que todas as plataformas ouvidas apresentaram números consistentes de medidas proativas de eliminação de conteúdos considerados nocivos ou ilegais e afirmaram que fazem automonitoramento.

“Elas disseram isso. Inclusive apresentaram números. No voto escrito, o recorrente (Facebook) alega que não caberia o monitoramento prévio, mas várias estão a fazê-lo”, contestou. “O artigo 19 dá imunidade às plataformas. Só surge a responsabilidade civil após a ordem judicial e o descumprimento da ordem. Ou seja, se a ordem é cumprida, não há que se pagar dano nenhum. Se dá de ombros”, comentou durante a leitura de seu voto.

Já André Zonaro, advogado do X, defendeu a constitucionalidade do artigo 19 e que sua alteração pode causar impacto regulatório e mudança no Marco Civil. O representante do antigo Twitter pede:

– Que sejam preservados os elementos estruturantes que trazem equilíbrio ao MCI;

– Ausência da responsabilidade objetiva pelo conteúdo em si às plataformas;

– Ausência de monitoramento de todo conteúdo.

Para a Fundação Wikimedia, responsável pela Wikipédia, esta decisão também pesará sobre outros modelos de negócios presentes na Internet, como é o caso do principal site da fundação. Com o objetivo de promover a divulgação de conteúdos informativos e educacionais, os textos da Wikipédia são criados por um time de voluntários e é autorregulado por uma comunidade de editores.

artigo 19; wikipédia; fundação wikimedia

Tiago Machado Cortes, representante da Fundação Wikimedia. Crédito: reprodução de vídeo

“A Wikimedia Foundation defendeu a constitucionalidade do artigo 19 como um pressuposto para que diversos outros sites, plataformas que disponibilizam conteúdo educacional possam produzir conteúdo de maneira colaborativa e sem fins de lucro. Se pautarmos com base na lógica das plataformas serão inviabilizados alguns modelos de negócio”, afirmou Tiago Machado Cortes, representante da fundação.

O advogado, inclusive, citou que a fundação teve, nos últimos dez anos, “não mais do que dez ações propostas contra ela”. Vale dizer que a plataforma tem 1,1 milhão de conteúdo educacional disponível gratuitamente somente em língua portuguesa.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) lembrou que a alteração também vai impactar plataformas menores, com menor poder econômico, como os veículos de comunicação, e que possuem características bem diferentes dos grandes provedores de aplicações. Pediu ainda a proteção de conteúdos de notícias. “Conteúdo informativo, como os divulgados pela imprensa precisam ser protegidos. Denúncias de corrupção, transparência dos atos de Governo de estado, acesso à informação, livre fluxo de informação devem ser protegidos”, completou.

Repaginada no Artigo 19 e no MCI

artigo 19; Twitter; X

André Zonaro, advogado do X. Crédito: reprodução de imagem

O X sugere, caso o STF decida por manter, mas modificar o artigo 19, a ampliação das hipóteses de remoção obrigatória sem ordem judicial de conteúdos e condutas subjetivas que poderiam impactar e trazer prejuízo ao debate público e à própria liberdade de expressão. Ou seja, que se amplie o artigo 21. O mesmo pede a Abraji, ou seja, que, caso adotadas restrições, “que elas se limitem à mecânica do artigo 21 do MCI sem abranger contudo ofensas contra a honra”.

O artigo 21 trata da responsabilidade dos provedores de aplicações em casos de violação de intimidade, especialmente envolvendo a divulgação não autorizada de conteúdos íntimos, como imagens, vídeos ou materiais que mostrem nudez ou atos sexuais de caráter privado. Muitos pedem que se faça o mesmo com conteúdo de pornografia infantil, pedofilia, entre outros temas claramente ilícitos.

Além da ampliação do escopo de conteúdos e condutas subjetivas, outros pedem alteração no próprio artigo 19.

Para o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) é necessário fazer uma nova interpretação de constitucionalidade do artigo 19, de maneira a responsabilizar as plataformas pela veiculação de anúncios fraudulentos.

“Esses provedores de aplicações não encontram as mesmas dificuldades operacionais quando o assunto está no campo econômico. O instituto pede que a constitucionalidade do artigo 19 seja interpretada em harmonia com outras normas que concretizam disposições constitucionais, como o direito fundamental da defesa de consumidores”, disse Walter José Faiad de Moura, advogado do Idec.

O representante do Sleeping Giants, Humberto Santana Ribeiro Filho, disse que, de meras intermediárias ou redes neutras, essas empresas iniciaram atividades próprias de propaganda. Para o representante do Sleeping Giants, a publicidade digital é um instrumento para estratégias de desinformação.

“Eles usam massas de dados para duas finalidades: oferecer conteúdo recomendado de modo a manter online seus usuários e oferecer aos anunciantes inserções publicitárias microssegmentadas para os usuários que sejam mais sensíveis à exibição de suas publicidades. A publicidade digital é instrumento para estratégias de desinformação. E quando são acionadas judicialmente por terem permitido inserções publicitárias dessas naturezas, as plataformas sempre evocam a imunidade do artigo 19”, disse.

O Sleeping Giants acredita que o próprio MCI oferece solução para o dilema – de que os agentes devem ser responsabilizados de acordo com as próprias atividades, nos termos da legislação. Ou seja, evocando o Código de Defesa do Consumidor, do Estatuto da Criança e do Adolescente, entre tantos outros, a depender da situação.

 

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