A Ericsson vê o 5G como uma grande oportunidade para expansão dos seus negócios. De fornecedora para operadoras, a perspectiva é ser fornecedora para empresas e indústrias de diferentes verticais, a partir de ofertas de redes privativas, com parceiros, e de APIs, para desenvolvedores de aplicações. Em entrevista a Mobile Time, Rodrigo Dienstmann, presidente da Ericsson para o Cone Sul da América Latina, falou sobre as oportunidades, de inteligência artificial, dos 100 anos da companhia no Brasil e sobre a aposta de que as APIs vão trazer de volta a musculatura de monetização que as empresas de telecom perderam anos atrás.

O executivo também contou que o nome da joint venture criada pela fornecedora e mais doze operadoras de diferentes partes do mundo para a oferta de marketplace de APIs é NewCo. Ela deve iniciar suas operações no Brasil no próximo ano, já que as negociações com as principais operadoras brasileiras avançam a passos largos.

Comentou também sobre a empresa que virá em 2025 para o Brasil e que focará em redes privativas 5G, a Ericsson Enterprise Wireless Solutions. Confira a entrevista.

MOBILE TIME – Em 100 anos de Ericsson, qual foi o momento mais desafiador da empresa e o mais promissor?

RODRIGO DIENSTMANN – Os desafiadores e os promissores em geral são os mesmos e são os últimos. Nesses 100 anos, a Ericsson passou por várias fases, mas uma das reflexões que faço é que sempre estivemos juntos no País em uma missão de inclusão econômica e social. É a velha história que o telefone entrava no Imposto de Renda e não havia inclusão digital até os anos 1990. Isso é verdade. A estrutura do mercado, tinha as operadoras… Se pensarmos que começamos em 1924, vendendo telefonia fixa, local. E mais do que unir pessoas, ela unia pessoas e negócios. As propagandas nos jornais mostravam isso: as empresas colocando seus números de telefone nos anúncios para poder vender. Tinha uma questão econômica.

Depois, entrou a telefonia de longa distância que de certo modo integrou economicamente o País. A gente sabe que duas coisas ajudaram na integração do Brasil: a televisão nacional, com satélite sendo o grande protagonista, e a telefonia. O DDD integrou o País. E depois, veio a Internet.

Por que o momento promissor e mais desafiador é o daqui pra frente?

Porque muda completamente o modo como a gente atua no mercado. Atuamos através das operadoras – somos fornecedores delas – e o advento do 5G traz mudanças estruturais. Por isso, ele se transformou em uma grande oportunidade e em um grande desafio ao mesmo tempo para a Ericsson como fornecedora. A gente deixa de ser fornecedora só de operadoras para nos transformarmos em fornecedores para desenvolvedores e empresas. E para a indústria de telecom como um todo.

Uma das grandes questões da indústria de telecom é que ela perdeu alguns músculos de monetização que eram muito fortes até meados dos anos 2000. Até essa época, se pagava por ligação, por pulso local, por distância, por horário, por SMS, por voicemail, comprava ringtone, tudo da operadora. Hoje, a relação do cliente com a operadora é de tantos megabytes por segundo para ter Internet fixa e tantos gigabytes se for móvel. Só, o resto está incluído no pacote. A voz pode ser por WhatsApp, o texto também. Perdeu-se a capacidade de monetização. E o 5G traz de volta a oportunidade de a indústria de telecom começar a monetizar de novo, através das APIs, das redes privadas, do slicing. O nosso desafio como indústria é trazer de volta aqueles músculos que ficaram dormentes por 10, 15 anos.

As empresas de telecom estão investindo para reaver a musculatura, mas a Ericsson também está expandindo, certo?

Estamos colocando em prática uma série de investimentos que vão nessa direção. Se, por um lado, o nosso antigo legado é o fornecimento da melhor tecnologia móvel para as operadoras – e nós continuamos investindo bilhões de dólares anualmente –, por outro, fizemos algumas apostas no mundo das APIs e redes privativas: a Vonage e a Cradlepoint. As duas são sementes de novos modelos de negócios. A Vonage está ligada ao mundo das APIs, do Open Gateway. Anunciamos recentemente uma joint venture com nada menos do que 12 das maiores operadoras no mundo. Elas viraram sócias da Ericsson num empreendimento que visa montar o que chamamos de ‘a grande plataforma de exposição e capacidade da rede 5G’.

É uma perspectiva de recriar os músculos de monetização através das networks e das APIs.

Consegue adiantar algo sobre a empresa? Já tem nome?

Ela se chama Newco. Vem de ‘nova companhia’. É uma joint venture e já está fundada. Missão dela é integrar as suas redes 4G e 5G para poder oferecer as APIs para os desenvolvedores. Essa empresa vai oferecer as APIs aos marketplaces.

Um banco, no Brasil, ou um desenvolvedor de cloud game mobile que queira comprar uma API, pode entrar num marketplace – nós preferimos que eles entrem na Vonage –, compra a API, paga por uso e esse marketplace está integrado à empresa que, por sua vez, está integrada às operadoras. E, assim, ela vai conseguir expor e oferecer esses serviços de rede – seja de antifraude, serviços para drones, games, comunicações críticas, baixa latência, e tudo mais que possa ser requerido pelo desenvolvedor.

A empresa já começou a oferecer seus serviços?

Sim, já começou. Estamos oferecendo a integração. A particularidade deste modelo de negócio é que você tem que ter escala e cobertura nacional. Exemplo: não adianta estar integrado com as duas maiores operadoras do Brasil, mas não com a terceira. Tem que ter as três operadoras brasileiras, ou as quatro espanholas. Lança-se país por país porque, quando o desenvolvedor lança um produto naquele país, ele quer falar com qualquer cliente, não importa a operadora dele.

Nosso próximo passo com a joint venture é assinar os contratos com coberturas nacionais. Lançar nos Estados Unidos, na Índia, França, no Brasil, e assim por diante.

Sei que você vai perguntar: no caso do Brasil estamos bastante adiantados nas conversas com as três grandes operadoras e abertos às outras também.

É factível começar os serviços da Newco no Brasil em 2025?

Sim

Como está o Brasil no Open Gateway? É um caso de sucesso?

O Brasil está sendo usado como exemplo. Não pelo volume ou variedade, mas pelo fato de as três (operadoras) terem se articulado e, ao invés de competirem uma com a outra, em Open Gateway, elas se uniram para oferecer outras camadas de valor.

São três operadoras altamente competitivas e que conseguiram se unir para lançar as APIs. O que falta aqui, e globalmente, é que, à medida que as redes 5G são equipadas com standalone e as peças de softwares que dispõem as capacidades, mais APIs devem ser lançadas. Por Exemplo: quality on demand, é uma API, slicing on demand, sim count (capaz de contar quantos SIMCards estão em uma mesma localização geográfica), entre outras.

Os próximos passos são: integrar as operadoras, equipar com capacidades, expor essas capacidades (como standalone etc) e em seguida, criar essas novas APIs. Nós somos a Google Play das operadoras, na comparação com smartphones Android.

E no caso da Cradlepoint? Como está a entrada dela no Brasil? E como a Ericsson enxerga o mercado de redes privativas do País?

Ela deve entrar no ano que vem. Mas não entra a Cradlepoint separada. Ela vira Ericsson Enterprise Wireless Solutions (EEWS). Ela junta o que era a Cradlepoint, com a parte de roteadores, segurança etc, e se junta ao portfólio de redes privativas.

Uma empresa, quando uma mina, uma fábrica, um porto, não vai comprar o 5G sem saber o que fazer com ele. Tem que ter um caso de uso muito claro. E no 5G esses casos de uso estão ligados à inteligência artificial e visão computacional, redes de altíssima confiabilidade, uplink para robô, drones, carros autônomos. O caso de uso é composto de rede, dispositivos e a plataforma de data center, softwares etc. Demora um pouco mais porque os integradores precisam desenvolver o projeto. Temos trabalhado muito com integradores que são especializadíssimos em automatização e digitalização de minas que no Peru e no Chile são muito promissores. E temos trabalhado com integradores de portos para trabalharmos esses casos de uso.

Vejo que ainda é pequeno o mercado, mas estão crescendo muito. Hoje, as redes semi-privativas estão no 4G e no Agro, utilities, mas em geral a cobertura não é dedicada. Mas vejo boas perspectivas para o 5G privado.

Os clientes estão descobrindo que podem usar uma frequência da operadora, mas também de comprar seu próprio espectro. E é super barato (o espectro).

Temos mercado no Brasil para redes privativas em indústrias?

Nós temos uma parte da nossa indústria extremamente sofisticada. E falo das verticais em geral, bancária, a logística. Existem milhares de casos. Temos, sim, um potencial grande nas verticais. Mas a curva de adoção das redes privativas é mais longa por conta do caso de uso.

As redes privativas estão crescendo, mas ainda são pequenas em proporção ao nosso negócio.

Como está o apetite das operadoras brasileiras para o 5G? Como você avalia a expansão do 5G no Brasil?

O apetite tem várias fases. O primeiro é comprar espectro, depois obrigações de cobertura (esse apetite é obrigatório). Mas o que vimos é que as operadoras estão se adiantando às metas originais. Estão vendo que existe uma vantagem muito grande. Seja porque alivia o investimento no 4G muito rapidamente, seja porque ele tem uma melhor eficiência energética, espectral. É uma tecnologia mais promissora.

Nós usamos o Brasil internamente como um exemplo de aceleração do que chamamos de penetração do mid band, que nada mais é do que pegar o número de sites 5G e dividir pelo número de sites 4G. E no mind band bandwidth estamos avançando nele muito rapidamente.

Espero que até o fim desta Black Friday teremos uma maior penetração de smartphones 5G, muito maior do que de ontem. Hoje à noite vamos dormir com uma penetração significativamente maior de smartphones do que quando acordamos (risos).

Temos uma adoção rápida no mercado em termos de smartphones 5G. O apetite está alto tanto em infraestrutura quanto para lançamento de serviços. O que estamos trabalhando com as operadoras é para criar esses casos mais avançados de monetização. Seja para eventos – como fizemos no The Town, Fórmula 1, em serviços públicos, automação de portos, fábricas, plataformas de petróleo, entre outras. E todos com slicing. Cria-se uma rede paralela com uma qualidade de serviço diferenciada.

E estamos trabalhando com uma operadora no Chile que está criando uma zona de gaming em Santiago. E é possível habilitar uma experiência diferenciada naquela região com slicing.

E a inteligência artificial? Como a Ericsson utiliza a IA?

Quantas horas nós temos? (risos). A IA é usada no nosso processo de pesquisa e desenvolvimento – que é o primeiro passo da nossa cadeia de produção há muitos anos. A inteligência artificial nos ajuda a fazer testes de software, criar massa de dados, testar rádio, propagação eletromagnética, mas também, agora, ela ajuda o desenvolvedor a escrever o software. Ela aumenta muito a produtividade na nossa área de pesquisa e desenvolvimento.

Mas também a IA é usada amplamente nas redes, seja para otimizar a rede, fazer a gestão energética ou gestão de capacidade. Você precisa prever o movimento de massas de pessoas, por exemplo, fazer planejamento de tráfego na Praia de Copacabana no ano novo versus um dia normal; ter a capacidade de desligar a rede móvel de madrugada onde não tem gente, para economizar energia. Ela é muito usada para gestão da rede.

O outro ponto importante é que inteligência artificial, 5G e cloud são complementares e não se pode ter uma coisa sem a outra.

Futuros casos de uso de inteligência artificial, principalmente ligados à realidade aumentada, realidade mista e visão computacional dependem de uma rede móvel muito poderosa. Móvel porque você não terá uma câmera cabeada. E tem que ser de alto desempenho. Existe uma interdependência muito grande. Não só a IA é uma habilitadora de novos modelos de negócios, mas o 5G e o 6G, no futuro, são habilitadores da inteligência artificial mais ampla. É uma simbiose importante.

 

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