O fundador do Easy Taxi, Tallis Gomes, não tem carro. Ele usa seu aplicativo diariamente para se locomover de uma reunião a outra. Mas antes de transformar sua ideia em um sucesso mundial, presente em mais de 30 países, teve que suar muito. Os primeiros modelos de negócios que pensou para o Easy Taxi, como parcerias com cooperativas e frotas de táxi, deram errado. No fim das contas teve que arregaçar as mangas e ir para as ruas convencer os taxistas de que valia a pena investir em um smartphone. Ao mesmo tempo, foi para as portas de hotéis no Rio de Janeiro incentivar turistas estrangeiros a baixar o app para pedir táxi.
Um pouco da história de Tallis e do Easy Taxi está relatada nessa entrevista que ele concedeu ao Podcast Rio Bravo. Em uma parceria com MOBILE TIME, publicamos abaixo, com exclusividade, trechos dessa entrevista. A íntegra dela pode ser escutada na página do Podcast Rio Bravo, no Soundcloud: https://soundcloud.com/riobravoinvestimentos.
Pocast RioBravo – Como surgiu a ideia de desenvolver um aplicativo como a Easy Taxi?
Tallis Gomes – Como eu já tive outras experiências empreendedoras, tudo pautado em economia real, a maioria em agências, estava sentindo a necessidade de criar algo com impacto social. Pensei em como melhorar ou resolver, nesse caso, um dos principais problemas da sociedade contemporânea, que é o trânsito. Afinal, o tempo é o nosso principal asset, e nós desperdiçamos boa parte desse tempo no trânsito. Existem estudos que dizem que só em São Paulo são perdidos bilhões de reais anualmente, porque as pessoas desperdiçam tempo de produtividade no trânsito. O trânsito é algo que sempre me incomodou muito, sempre me perguntei como poderia resolver esse problema e a primeira resposta foi que iria criar um aplicativo de ônibus. Então, em junho de 2011, ia acontecer no Brasil a primeira edição da Startup Weekend, que é uma competição global de empreendedorismo pela Kauffman Foundation, hoje eles contam até com o apoio da Google for Entrepreneurs. Naquele tempo, o Dave McClure veio até o país para poder fazer o lançamento do Startup Weekend. Dave McClure é o fundador da 500 Startups, um figura muito conhecida no Vale do Silício, e eu queria participar desse evento para poder levar essa ideia de fazer o aplicativo de ônibus. No primeiro dia da competição eu tive minha ideia invalidada pelo Dave McClure: ele chegou à minha equipe e disse que a Google já estava fazendo um aplicativo de ônibus, então era melhor procurar outra ideia. Passou das 10h da noite e ninguém tinha ideia alguma, combinamos então de ir para a casa e pensar em algo relevante para trazer no próximo dia. Então liguei para um táxi e como qualquer radio táxi, geralmente dizem que daqui meia hora o taxi irá chegar, o resultado é que não tinha táxi algum depois dessa meia hora, liguei novamente e eles disseram que não tinha táxi com toda aquela "gentileza" que nós já conhecemos. Fui para a rua tentar pegar um debaixo de chuva, e nenhum apareceu, como minha aplicação de ônibus já era baseada em geolocalização também, pensei: por que não usar isso para tentar localizar o táxi? E foi nessa madrugada que tudo nasceu.
Além dessa vontade de fazer o negócio acontecer, o que foi necessário para desenvolver o projeto da maneira como nós conhecemos hoje o aplicativo?
O processo foi longo e cansativo. Me lembro que aplicativos de táxi como o nosso não existiam ou estavam começando todos juntos. Em 2011, tinha uma pessoa começando na Alemanha, outra em Israel, mas todos começando juntos, então ninguém se conhecia naquele momento. Nós pensamos em fazer um hub de cooperativas. Basicamente o modelo seria fazer reunião com as cooperativas e assinar um contrato, e óbvio que isso não aconteceu. Fizemos um sistema pautado para isso, vimos logo os diversos desafios operacionais que não poderíamos solucionar, e ameaças estratégicas que não fariam sentido. No segundo modelo, a ideia era fazer um sistema de despacho para frotas de táxis, que é diferente de cooperativas de rádio, porque em frotas eles alugam táxis para os taxistas e estes não recebem chamadas. Por que não gerar dinheiro para esse taxista para ele pagar a diária do carro, que chega a 150 reais por dia? Desenvolvemos esse sistema de despacho para eles, mas esbarramos em alguns problemas estratégicos também. Trocamos para um terceiro modelo, no qual compraríamos telefones celulares para dar aos taxistas, pois lembremos que em 2011 smartphones eram para as classes altas, dificilmente tinha alguém da classe média com smartphone e Internet. Lembro que no Rio de Janeiro, o mais popular era o Nextel, todos os taxistas então tinham Nextel e estavam satisfeitos. Quando falávamos com o taxista que ele tinha que comprar um telefone, ele dizia que estávamos loucos e que não sabiam mexer nesses novos telefones nem usar internet. Então assumimos que nós deveríamos comprar esses telefones e treinar esses taxistas, além de construir um software para eles receberem as chamadas em seus telefones. O resultado não deu certo, porque o dinheiro que tínhamos em caixa para poder comprar esses telefones foi usado para fazer a saída de um sócio e estávamos para assinar um investimento com um grupo naquele momento, e o investidor retraiu porque a briga societária foi parar na justiça. Decidimos que a única forma de fazer esse negócio acontecer, já que não tínhamos mais dinheiro, era criando um marketplace e convencendo os taxistas de que o telefone é também uma ferramenta de trabalho. Resumidamente, o que eu fiz foi começar a ter relacionamentos com taxistas que são chefes de ponto, líderes de pequenas associações. Comecei a jogar bola e ir a churrascos com eles, para poder conhecê-los e ganhar a confiança deles. Até que eu consegui por volta de 20 taxistas que aceitaram fazer parte desse grupo. Aí veio a dor de cabeça do marketplace: quem adquiriu aquele telefone estava com pressa em pagá-lo e cobrando todo dia as corridas. Para resolver esse problema, fui para a porta de hotéis no Rio de Janeiro e abordei os estrangeiros, que geralmente tinham já seus smartphones. Falava para eles não pegarem táxis na rua porque era perigoso e era melhor pegar comigo, então o estrangeiro pedia para chamar um táxi para ele e eu mostrava o sistema. Eles baixavam e chamavam em seus telefones. Ficaram maravilhados.
Você fazia junto com os turistas, mostrando passo a passo?
Sim, tem um conceito muito forte em tecnologia que é o golden cycle, usa-se muito isso em marketing. Para você adquirir esse golden cycle, que são esses primeiros usuários que vão fazer esse ciclo depois para outros usuários que estão à margem, tem que se fazer isso corpo a corpo porque é muito difícil ter uma forma escalável. Na hora que se coloca o produto na rua é que se começa a ver como melhorar, percebe-se onde não estava claro o fluxo de uso para certos usuários, se a linguagem está certa etc.
O quanto que você conhecia desse segmento mobilidade urbana, antes de você desenvolver o projeto e o quanto você conhece desse assunto hoje?
Na verdade, eu não conhecia nada, nunca foi muito minha praia, geralmente eu gostava mais de marketing. Eu conhecia alguma coisa sobre cinema, porque já trabalhei nessa área, conhecia sobre colchões também e conhecia algo sobre esportes, porque trabalhei diretamente com o técnico de vôlei Bernardinho. Então basicamente não conhecia nada de transportes, mas acho que isso é uma característica do empreendedor, de fazer essa imersão em um mercado. Hoje eu leio muitas publicações relacionadas ao tema, me aprofundei, tenho até uma coluna no Diário de São Paulo, onde eu falo diretamente com os taxistas todos os sábados, na linguagem deles, sobre educação de mercado.
Sobre essa sua relação com os taxistas, como que era antes e como é hoje? E existem diferenças entre os taxistas do Rio de Janeiro e os de São Paulo, ou até mesmo de outros lugares que a Easy Taxi é presente?
Minha relação com os taxistas é cotidiana, porque eu não tenho carro e uso táxi todos os dias. Já as diferenças culturais entre os taxistas paulistas e cariocas existem sim, mas vejo que existe um perfil alinhado em todos, pois boa parte das coisas que servem para um taxista do Rio servem também para um taxista nas Filipinas ou na Nigéria. Então o perfil é o mesmo em quase todos os lugares.
De alguma forma houve alguma desconfiança por parte dos investidores, por parte dos taxistas e até mesmo dos usuários em relação ao aplicativo?
Sempre teve uma desconfiança muito grande a ponto de até meus amigos não usarem meu aplicativo. Foi por isso que achei meus primeiros usuários na porta de hotel. Sempre teve essa desconfiança se realmente o aplicativo funciona, porque era algo muito bom para parecer verdade. Por parte dos investidores, “classe C não costumava ter smartphone então era difícil imaginar um taxista usando aplicativo”, e sempre respondia que podíamos educar o mercado para isso. Tivemos que quebrar isso, digamos que na raça mesmo. Até por isso demoramos a ter o primeiro "round' de investimento: a ideia da empresa nasceu em junho de 2011, o aplicativo saiu em abril de 2012 e o primeiro round veio em setembro, que foi um dos maiores do País, R$ 10 milhões investidos pela Rocket. É importante frisar que somos a start-up mobile brasileira que mais recebeu investimento.
Sob o ponto de vista técnico, qual a incidência de falhas no aplicativo?
Temos todos os dias falhas e isso é normal, pois quando estamos lidando com mobile, a forma que ele funciona no Rio de Janeiro é diferente do que em São Paulo ou em outras cidades, por exemplo. Como lidamos com vários fatores envolvidos, como GPS, rede de internet, entre outros, em determinado momento pode falhar. São 155 mil taxistas, 7 milhões de passageiros, então o volume de dados que nós processamos é de alguns milhões de requisições por minuto.
Sobre o processo de internacionalização, em quais etapas isso aconteceu?
No momento zero que eu criei esse aplicativo já pensei que ele serviria para o mundo inteiro, até por isso o nome Easy Taxi, porque easy é uma das palavras mais básicas do inglês e qualquer pessoa sabe o significado e a palavra taxi é igual em quase todo lugar do mundo. Assim que recebemos nosso investimento em setembro, no final do mesmo mês estávamos entrando já no México e na Colômbia. Quando fomos escolher o investidor e optei pela Rocket, eu já escolhi pensando nessa expansão, porque o investidor é muito mais que dinheiro, ele também se torna seu sócio e tem que haver esse casamento de ideias. Muitas pessoas equivocadas acabam escolhendo o investidor apenas pelo dinheiro. No caso do nosso investidor, a Rocket está em mais de 150 países e são um dos maiores investidores de Internet do mundo. Por isso hoje somos o maior aplicativo de táxi no mundo.
Quais são os principais desafios de operação do aplicativo fora do Brasil?
São muitos, primeiro temos que fazer uma adaptação do produto cada vez que se entra em um país, porque o mapa é diferente, o aplicativo pode precisar de alguns pontos adicionais, formas de localizar endereços, fuso horário, entre outras coisas. O desafio vem em todas as áreas da empresa, em TI, gestão, relacionamento, mas o principal seria a operação, porque em cada país que nós temos que começar praticamente do zero.
Quais são as estratégias da Easy Taxi para enfrentar a concorrência nesse cenário propício a inovação?
Depende de cada país. No Brasil, por exemplo, hoje a concorrência é gigante e temos caminhado para parcerias estratégicas para se diferenciar. A Easy Taxi tem uma diferenciação, pois temos o mobile wallet, que lançamos antes de todo mundo, onde você cadastra seu cartão de crédito e o taxista não precisa pagar mensalidade de POS que é da máquina de cartão, pois ele recebe tudo pelo aplicativo. Isso nos abriu portas para buscar parcerias, como o Santander, que banca 50% da corrida em bandeira 2 dos passageiros que pagam com o cartão de crédito do banco. É muito vantajoso para o banco porque ele aumenta a sua curva de emissões de cartões e também a incidência de uso desses cartões por conta desse desconto. Além disso, lançamos também o Easy Taxi Corporate, com o qual reduzimos em até 40% o custo de táxi de uma empresa porque se acaba com as fraudes, que eram muito comuns.
Você já teve uma banda de rock, foi estagiário do Grupo Severiano Ribeiro, lidou diretamente com o técnico Bernardinho, como essas experiências agregaram para essa sua atividade atualmente?
Ter um repertório de vida variado faz com que você veja com diferentes olhos para diferentes oportunidades. Trabalhei com cinema, com esportes, com mercado de consumo e antes de ser empreendedor, ter tido essas experiências de mercado foi primordial para ter visões diferentes de como é o funcionamento das empresas, como é o relacionamento com os clientes em diferentes mercados. Nós gostamos muito de contratar ex-consultores, porque eles são altamente adaptáveis a diferentes modelos. Particularmente acho que essas experiências serviram bastante para ter esse meu estilo de gestão que tenho hoje e poder falar com diferentes pessoas.
O que te motiva para ser empreendedor e qual o fator que mais desmotiva?
O que me motiva é sempre resolver um problema que muitas pessoas acham que não tem solução. Veja o exemplo da Easy Taxi, quando eu pensei na criação desse marketplace para incentivar as pessoas a usarem mais táxi e trazer uma renda extra pro taxista e segurança: eu escutei até de investidores que seria impossível resolver isso pelos fatores que citei anteriormente. O bom empreendedor sente esse tesão em resolver problemas, em inovar e trazer soluções para a sociedade. Já o que mais me desmotiva atualmente, vou cair no clichê novamente, mas é a burocratização para fazer qualquer coisa no País. Tem um outro negócio que quero fazer dentro da Easy Taxi, seria quase um spin-off, que por causa de burocracias estou quase desistindo de fazer.