[Matéria atualizada em 30/07/2024, às 23h30, para inserir opinião de Tainá Junquilho] Batizado de IA para o Bem de Todos, a proposta de Plano Brasileiro de Inteligência Artificial 2024-2028, entregue ao Presidente Lula nesta terça-feira, 30, durante a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, apresenta uma série de desafios e cria expectativas, mas dois deles saltam aos olhos: a pretensão de criar um modelo fundacional “robusto” a partir de dados brasileiros e em português em até um ano e a harmonização do PBIA com o PL 2338, que tramita na Comissão Temporária de Inteligência Artificial do Senado, e deve ser votado ainda no segundo semestre deste ano. Para o primeiro, o plano prevê um custo de R$ 1,1 bilhão; para o segundo, há o suspense de como será feita a costura entre os dois projetos que são bastante distintos.
Sobre a missão do desenvolvimento da IA em um ano, Fabro Steibel, diretor-presidente do ITS-Rio acredita que será um desafio alcançado sem maiores percalços.
“Do zero, se já tiver feito uma vez, ou seja, com experiência, sim. Como fine tuning, em um mês ela está pronta. Dá para fazer por camadas, ir desenvolvendo. Para isso que existe IA aberta”, diz Steibel.
Quanto ao segundo tema, Luis Fernando Prado, sócio do escritório Prado Vidigal Advogados, especialista em privacidade e proteção de dados, espera que o plano não fique somente no papel. “Em linhas gerais, é positivo que a gente tenha esse plano de desenvolvimento de IA no Brasil. Mas não podemos limitar a estratégia do Brasil ao Plano Brasileiro de IA a uma apresentação de Power Point. É tardio, mas antes tarde do que nunca”, comenta.
A relação entre PBIA e o PL 2338
Patricia Peck, sócia-fundadora do Peck Advogados, acredita que o plano é um passo importante para o País dar encaminhamento ao PL 2338. A especialista enxerga alguns tópicos como pontos de interseção, mas que precisarão de um olhar mais apurado e de uma revisão do texto do Projeto de Lei para a construção de uma governança de dados para a IA. Peck vê que será preciso fazer escolhas quando se fala em tratamento de dados pessoais sensíveis do cidadão.
“Muito provavelmente, conseguir fazer andar com o plano de IA, nos ajuda a dar um fôlego, um pouco mais de tempo para que o PL 2338 tenha uma tramitação com mais calma. Alguns tópicos que não estão bem resolvidos no PL precisam ser alinhados com o plano e precisam ser revisitados para que fiquem melhor aderentes com o que foi colocado nas premissas do plano nacional de IA”, aponta Peck.
A advogada aponta o programa de estruturação de um ecossistema de dados e softwares para IA como o ponto mais relevante do PBIA.
“Esse ecossistema de dados é extremamente crítico para que todo o restante consiga funcionar. E isto vai dialogar direto com as previsões do PL e também com alguns pontos que a própria ANPD vem trazendo em cima das questões do que será tratado em proteção de dados e inteligência artificial pela autoridade”, afirma.
Steibel vê com bons olhos o PBIA e acredita que um deverá apoiar o outro. “O alinhamento é desejável com cada poder avançando no que pode, mas na mesma direção, com as mesmas prioridades”, afirma.
Mas o diretor do ITS-Rio aponta que, das dez prioridades do plano, somente uma está no PL 2338 e outras três aparecem em menor escala e seis simplesmente não aparecem
“O PL não tem uma lista própria de prioridades, mas muito do PL não aparece no plano. Não tem risco excessivo, não tem a superautoridade, não tem responsabilidade civil, não tem fiscalização”, enumera.
“O PL ainda coloca coisas prioritárias do plano sobre uma luz diferente. O plano fala em governança participativa, o PL na autorregulação, por exemplo, coloca isso como segundo plano, e na governança só aparece um conselho de especialistas”, compara.
Tainá Aguiar Junquilho, coordenadora do Laboratório de Governança e Regulação de IA do LIA IDP, explica que a apresentação do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial faz com que a aprovação do PL 2338 se torne ainda mais urgente.
“A legislação vem para atribuir responsabilidades, governança e, neste sentido, como o conceito principal do PBIA gira em torno da IA para o bem comum, torna-se mais importante ainda que o PL 2338 seja aprovado, para concretizar este conceito tão relevante”, afirma. “Não há IA para o bem comum sem regulação, sem governança, sem respeito aos direitos humanos, ambientais, trabalhistas. Então, a ideia é que (PBIA e PL 2338) caminhem juntos”, completa.
Junquilho espera que agora o PBIA seja debatido com a sociedade para ser aprimorado. De toda forma, do jeito que se encontra, ele “é bastante exequível, uma vez que prevê medidas ações imediatíssimas e também ações a longo prazo, divididas por eixos”, completa.
Seguem alguns apontamentos sobre o PBIA:
Definição de IA
O Plano Brasileiro de Inteligência Artificial define a IA “como sistemas que produzem resultados a partir de um grande volume de dados, permitindo um processo de aprendizagem, que realiza previsões, classificações, recomendações ou gera decisões que possam influenciar ambientes físicos e virtuais.”
O PBIA aponta as oportunidades e os desafios.
Entre as oportunidades estão:
População jovem e ágil na adoção de tecnologias
Diversidade de bases de dados nacionais
Matriz energética limpa
Capacidade instalada de pesquisa e desenvolvimento
Múltiplas iniciativas de aplicação e desenvolvimento de ferramentas de IA por empresas de diferentes portes
E, entre os desafios estão:
Ampliar investimentos em infraestrutura, P&D e inovação
Assegurar a interoperabilidade e a robustez de dados
Fortalecer a formação e Apoiar o processo regulatório e de governança para garantir direitos e promover a inovação
A visão do Brasil para a IA está baseada em cinco pilares:
Centrada no ser humano e acessível a todos;
Orientada à superação de desafios sociais, ambientais e econômicos;
Fundamentada no direito ao desenvolvimento e na soberania nacional;
Transparente, rastreável e responsável;
Cooperativa globalmente em bases justas e mutuamente benéficas
Assim sendo, a IA deverá ser:
– fundamentada no respeito à dignidade, aos direitos sociais, à diversidade cultural, regional e dos povos, e à valorização do trabalho e dos trabalhadores, prevenindo a desigualdade e vieses discriminatórios;
– aumentando o bem-estar e contribuindo para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS);
– promovendo a autonomia tecnológica e a competitividade econômica;
– garantindo intrinsecamente a privacidade e soberania de dados, a segurança cibernética, a proteção do consumidor, a propriedade intelectual, os direitos autorais e os que lhe são conexos.
– induzindo o progresso da humanidade, a proteção da integridade da informação e a defesa da democracia.
O objetivo do PBIA
“Promover o desenvolvimento, a disponibilização e o uso da inteligência artificial no Brasil, orientada à solução dos grandes desafios nacionais, sociais, econômicos, ambientais e culturais, de forma a garantir a segurança e os direitos individuais e coletivos, a inclusão social, a defesa da democracia, a integridade da informação, a proteção do trabalho e dos trabalhadores, a soberania nacional e o desenvolvimento econômico sustentável da nação.”
Investimentos
O orçamento prevê um total de R$ 23,03 bilhões em investimentos em quatro anos (2024-2028). Desse montante, R$ 435,04 milhões são para ações de impacto imediato; R$ 5,79 bilhões para infraestrutura e desenvolvimento de IA; R$ 1,15 bilhão para difusão, formação e capacitação em IA; R$ 1,76 bilhão para a melhoria dos serviços públicos (usando IA); R$ 13,79 bilhões para inovação empresarial; e R$ 103,25 milhões para apoio ao processo regulatório de governança da IA.
Entre as fontes de investimento estão o crédito (FNDCT/Finep + BNDES), com R$ 12,72 bi; LOA (sem FNDCT não-reembolsável), com R$ 2,90 bi; FNDCT não-reembolsável, com R$ 5,67 bi; setor privado, com R$ 1,06 bi; Estatais, com R$ 430 milhões; e outros (R$ 360 milhões).
O PBIA se baseia em dez premissas fundamentais para a sua estruturação e implementação:
- Foco no bem-estar social: Como a IA pode melhorar a vida das pessoas?
- Geração de capacidades e capacitações nacionais
- Soberania tecnológica e de dados
- Alinhamento estratégico com políticas governamentais, com destaque para a Nova Indústria Brasil (NIB)
- Sustentabilidade ambiental (Transição Ecológica)
- Valorização da diversidade
- Cooperação internacional
- Ética e responsabilidade no uso da IA
- Governança participativa
- Flexibilidade e adaptabilidade
O plano se divide em cinco eixos e conta com 54 ações concretas. Dessas, 31 são de impacto imediato nas seguintes áreas: saúde; agricultura; meio ambiente; indústria, comércio e serviços; educação; desenvolvimento social; e gestão do serviço público.