A CloQ, uma startup do Recife, criou um score de crédito inclusivo, com o qual já concedeu desde 2020 quase 18 mil empréstimos de baixo valor (nanocrédito) para 7,3 mil pessoas, totalizando R$ 4 milhões. A empresa analisa mais de 1,5 mil dados alternativos, muitos deles coletados a partir do uso do seu app, para conseguir emprestar dinheiro a pessoas que estão negativadas ou que se encontram “invisíveis” para as ferramentas tradicionais de score de crédito em razão da escassez de dados.
“Chamamos de ‘score de crédito inclusivo’ porque inclui o negativado e inclui quem tem pouco histórico de dados financeiros, que o Serasa chama de invisíveis. Para a gente não são invisíveis, porque nos baseamos em outros dados”, explica a CEO e cofundadora da CloQ, Rafaela Cavalcanti, em conversa com Mobile Time.
Tudo é feito através do app da CloQ (Android). Além de dados cadastrais fornecidos pelo usuário, a ferramenta analisa dados de comportamento de uso do celular coletados pelo aplicativo e cruza com informações públicas. Um algoritmo com inteligência artificial analisa e concede uma pontuação que autoriza ou não a concessão de crédito. É tudo automatizado, sem interferência humana. E o algoritmo é dinâmico e está em constante transformação, usando machine learning.
“Não tem ninguém olhando caso a caso. É baseado puramente em dados. Vemos se a pessoa tem comportamento confiável e se tem intenção de pagar”, explica a executiva.
A resposta à solicitação pode levar alguns dias, tempo necessário para a análise de alguns dados de comportamento de uso do celular. O dinheiro entra via Pix na conta digital do beneficiado em qualquer instituição financeira – a CloQ não provê contas digitais.
No começo da operação em teste beta, a inadimplência era de 40%. Mas isso não assustou a empreendedora, pelo contrário. Ela na verdade esperava um percentual maior, na casa de 50%. E a presença de maus pagadores foi importante para aperfeiçoar o algoritmo, de maneira a identificar preventivamente e com mais precisão a intenção de não pagamento, relata Cavalcanti. Hoje a inadimplência na CloQ está em 9%, pouco acima daquela dos grandes bancos, afirma.
Condições financeiras do nanocrédito
O que a CloQ chama de nanocrédito são empréstimos de no máximo R$ 500, com pagamento em duas a cinco parcelas. Além disso, no primeiro empréstimo a pessoa consegue receber no máximo R$ 150: é uma medida de segurança para que a startup consiga medir seu comportamento de pagamento. Se tudo correr bem, o consumidor pode conseguir um novo empréstimo mais alto. Os juros variam de 9% a 14% ao mês, dependendo da criação de um histórico positivo.
Com a CloQ, pessoas que eram invisíveis para o sistema financeiro começam a construir um histórico positivo que pode ajudá-las a conseguir empréstimos maiores em outras instituições financeiras. “A ideia é que a gente seja uma ‘passagem’”, explica Cavalcanti.
Embora o foco inicial da startup fossem os empreendedores informais, 49% do seu público é composto por pessoas empregadas com CLT. A divisão por gênero é igual: metade homens, metade mulheres. A maioria ganha até dois salários mínimos, tem ensino médio completo, é casada, tem entre 25 e 45 anos e um filho. A maioria está em São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia.
CloQ: inspiração na história da mãe
A inspiração de Cavalcanti para criar a CloQ veio da história de vida da sua mãe, uma empreendedora com lojas de roupa no Recife que sofreu por muitos anos com agiotas.
“Cresci ajudando minha mãe em suas lojas, e meu pai, que tinha um mercadinho. Eram lojas de bairro. Até que começaram a ser assaltados: 17 vezes ao todo. Levavam roupas de marca das lojas da minha mãe, e ela tinha que reinvestir. Para isso, pegava crédito, mas acabou não conseguindo mais, porque ficou negativada. Teve que fechar várias lojas e aí recorreu a um agiota para manter uma última aberta. Cresci vendo agiota negociando com minha mãe. Ela levou 10 anos para pagar”, relata. “Na agiotagem a inadimplência é zero. Os juros são de 10% a cada 15 dias. Chega a 1000% ao ano”, descreve.
Preocupada com a saúde financeira dos seus clientes, a CloQ não oferece um novo crédito assim que a pessoa termina de pagar o anterior. E também não concede empréstimos em datas comemorativas, como Natal e Dia das Mães, para evitar que as pessoas se endividem desnecessariamente. O objetivo é que a contratação de crédito seja uma decisão racional, não impulsiva.
Foto no alto: Rafaela Calcanti, CEO e cofundadora da CloQ (Crédito: Luciano Alves)