Mobile Time conversou com o diretor técnico do Dieese, Fausto Augusto Junior, sobre os impactos da crise do coronavírus para o trabalhador, as empresas e o governo, assim como quais as medidas e lições que cada um pode tomar. Formado em ciências sociais e mestre em educação pela USP, ele está há 24 anos no Dieese e assumiu o cargo de diretor técnico em fevereiro deste ano.
Na conversa com esta publicação, o sociólogo avalia que o ano de 2020 está perdido e que devemos olhar adiante para 2021 e os anos a seguir para mitigar os prejuízos da Covid-19.
Mobile Time – 2020 é um ano perdido para a economia e para a sociedade brasileira?
Fausto Augusto Junior – Do ponto de vista econômico é impossível prever crescimento. Não podemos ter ilusão. 2020 foi perdido, sim. Agora temos que buscar uma saída para 2021 ser melhor.
Mobile Time – O melhor é aceitar isso e trabalhar para diminuir os prejuízos?
Junior – Podemos mitigar as perdas. Cair menos e manter as coisas funcionando. Esse é um momento de hibernação. Quando você põe toda a sociedade para funcionar com o mínimo. Você para tudo com o compromisso que a economia voltará ao normal. Quando passar a crise, vai ter muita coisa para ser feita. Essa economia volta depois. Você precisa construir um processo de congelamento e manutenção da vida das pessoas, mas também dos trabalhadores e das empresas.
A economia não vai cair toda. Você pode voltar a crescer num próximo momento. Até porque o mundo fará isso. Mas a pior coisa é o que o governo faz. É como encarar um inverno de -20º de camisa regata. O argumento de sair de casa para trabalhar não é sustentável.
Estamos no ponto em que precisamos considerar ajuda internacional?
É inevitável olhar para fora neste momento. Nós temos que fazer alguns acordos internacionais. Os países centrais não cobrem as dívidas dos emergentes, diz a ONU. A quantidade de dinheiro derramado na economia… É preciso se pensar em uma nova estruturação da economia mundial. Muitos defendem um novo plano Marshall, mas tem que ser com todos os países desenvolvidos.
A Espanha e a Itália não tiveram a ajuda que pediram dos outros países europeus. Algo que é necessário, pois a Covid-19 não tem fronteiras. Tem que pensar em ajudas diferentes, como medicamentos e desenvolvimento de vacinas, por exemplo. Sem um novo pensamento, a economia mundial entrará em xeque.
Quais os possíveis impactos para o trabalhador brasileiro?
Existe uma população muito vulnerável, como moradores de rua e do interior do Brasil que têm dificuldade em acessar renda. O impacto para essas pessoas já acontece. E é um impacto de sobrevivência. Tem que ter uma ação coordenada para oferecer comida, espaço para se higienizar e acesso aos serviços públicos de saúde. Sem isso, nós podemos ter uma tragédia.
Outro grupo são os trabalhadores informais. Eles dependem do dia a dia para obter a sua renda. É um grupo bem heterogêneo, como jornalistas e designers. Mas a grande maioria são aqueles que vendem o almoço para ter a janta. Eles já sentem a crise, pois boa parte da atividade está parada. Ele não sai de casa e não tem como vender.
E não é só isso, você tem uma obra em casa e não tem como fazer. A cabeleireira e a manicure fecham. Eles já estão atingidos e a situação vai agravando. Eles consomem a poupança mínima. Por isso defendemos a renda mínima para os trabalhadores. Foi aprovada no Senado, mas, até o dinheiro sair, a situação dessas pessoas é grave.
E há um terceiro grupo, aquele dos trabalhadores formais. Diferentemente dos informais, eles são facilmente localizados, porque estão empregados, têm CLT assinada, têm um chefe (um contratante) etc. Nesse caso, cabe ao Estado custear a folha de pagamento. Lógico, que é diferente uma pequena empresa de uma grande, que tem mecanismo para manter os empregos.
E qual o papel do trabalhador brasileiro nessa crise?
O trabalhador tem que manter o máximo da renda possível. Um trabalhador formal não vai sustentar só sua família. Nessa crise, o mais provável é que esse trabalhador vai ter que ajudar o irmão desempregado, o cunhado informal, os pais idosos… Eles vão ter solidariedade. São essas pessoas que poderão pegar a renda e partilhá-la. A manutenção do salário e das rendas dessas pessoas é o que manterá o sistema sobrevivendo.
Qual o caminho para aquele trabalhador que não se sente seguro ou assistido nesta crise?
Uma outra coisa é a necessidade de os trabalhadores irem para o posto de trabalho. Ninguém vai comprar TV ou carro nesse momento. Por outro lado, as pessoas precisam comer, precisam de remédio, água, Internet, energia, informação, saúde (produtos e máquinas). Mas tem um conjunto de trabalhadores que precisa trabalhar. O que cabe a nós e aos sindicatos é garantir o menor risco possível. Precisamos garantir as condições de higiene e reduzir os riscos do trabalho, com turnos mais curtos e menos pessoas circulando. Por exemplo, alguns supermercados colocaram barreira de acrílico entre pessoas e caixa. E a gente deveria testar as pessoas (para o coronavírus) para atenuar a crise.
E as empresas, qual o papel delas até aqui?
Tem empresas e empresas. Uma coisa é a padaria da esquina. Outra coisa são os bancos como Itaú, Bradesco e Santander. Esse é o momento que essas corporações globais que ganharam muito dinheiro precisam contribuir com sua cota. Muitas delas não precisam distribuir o lucro ao acionista. Ele já ganhou muito lucro. Eu tenho chamado muito a atenção que os bancos precisam dar sua cota nessa equação.
Quais ações as grandes corporações podem tomar?
Um exemplo: se você está preso em sua casa, não tem por que cobrar TED e DOC. Ou seja, o banco vai ganhar dinheiro em cima da crise. Isso é o mínimo que deviam fazer imediatamente, e nem tem a ver com cobrar dívida. E esse empréstimo de PMEs é impossível de obter, pois 70% não teriam condições pela análise de crédito dos bancos. Além disso, o perdão de dívidas é algo que tem de ser pensando pelo governo e pelas empresas. Os bancos precisam perdoar as dívidas de negociação de juros. Esse é um embate para os próximos meses.
Quais outros segmentos podem ajudar, além dos bancos?
Outras empresas que ganham muito dinheiro no Brasil também precisam apoiar, como a empresas de etanol e açúcar. Só com a exportação de açúcar essas empresas ganham mais dinheiro com a disparada do dólar. É preciso ações mais enérgicas deles. Outro caso é de algumas indústrias, que precisam produzir respiradores a preço de custo. A pior coisa são as empresas terem agora uma visão individualista, uma visão de negócios. Devem tomar uma visão social.
As ações do governo têm contribuindo para a sociedade e para a economia até então?
O governo não soltou medidas muita claras. Só o empréstimo para PMEs. O nosso problema de empresas quebrando não é de agora. Quebrar, quebrar mesmo, será quando elas reabrirem. O empréstimo ajuda, mas não parece fácil como os bancos liberarão. Você precisa escalonar essa dívida para frente. O Estado precisa entrar com medidas mais claras.
E a aprovação da MP 927?
O que não pode acontecer é o artigo 29 da MP 927, que protege as empresas dos trabalhadores. Se contrair a Covid-19, isso não será considerado acidente de trabalho. Em pandemia, isso é quase impossível. Se isso passa, o sujeito pode ser mandado embora na volta da doença. Estamos lutando para derrubar. Em uma situação crítica, com morte, o sujeito recebe 100% o valor da pensão. Se ele morre sem acidente de trabalho, a pensão é de 60%. Que incentivo você dá ao trabalhador de ele sair de casa? Nós temos que dizer o contrário disso, é igual ir para guerra, o Estado tem que ajudar e suportar sua família em caso de morte.
Qual a lição que devemos tomar da crise?
O governo brasileiro precisa aprender como o lidar com os passivos da crise. O governo gastou, as pessoas gastam a poupança – pois poupança é para momentos como esse –, as empresas gastam os seus caixas ou pegam empréstimo. E nós temos toda uma cadeia que precisa de apoio. Como o fato de um grande acordo que os fornecedores vão voltar a fornecer, independente da dívida que têm. O escalonamento da dívida é a chave para sairmos melhor de uma crise econômica.