Um novo formato literário está nascendo dentro do smartphone. São as histórias de bate-papo, ou "chat stories", em inglês: peças de ficção escritas na forma de uma conversa em um app de mensageria. Há dezenas de aplicativos oferecendo catálogos de histórias de bate-papo na App Store e na Google Play, alguns deles com milhões de downloads. Os mais famosos são Hooked (Android, iOS), Yarn (Android, IOS) e Tap (Android, iOS). Para se ter uma ideia do porte desses serviços, o Hooked tem hoje 30 milhões de leitores espalhados pelo mundo.
As histórias são contadas no formato de mensagens. Em vez de passar a página, o usuário toca na tela para avançar de mensagem em mensagem. É simulada a interface de um app genérico de mensageria. Elementos típicos desses apps acabam se tornando recursos narrativos dentro da história, como o remetente (que pode ser, por exemplo, um número desconhecido), assim como a inclusão de fotos e áudios, sempre contextualizados dentro daquela conversa ficcional, como se tivessem sido enviados de um personagem para o outro. O leitor acompanha pelo ponto de vista de um dos personagens, que está recebendo as mensagens em seu smartphone. Não há narrador externo.
O público-alvo são jovens e adolescentes, cuja geração atual dificilmente abre um livro, mas não desgruda do seu smartphone. São leituras rápidas, de poucos minutos. O Tap, por exemplo, informa o tempo estimado de leitura de cada história de bate-papo, o que varia desde 1 minuto a até mais de 30 minutos. Muitas das histórias são de terror, gênero que atrai os adolescentes. Alguns títulos são sugestivos, como "Acordo com o diabo" e "Crime no campus". Mas há também histórias de amor, drama, comédia e de outros gêneros. Para comparar a popularidade das histórias, o app Hooked informa a quantidade de visualizações de cada uma: algumas passam de 300 mil. O Tap, por sua vez, mede por quantidade de "taps" ou toques (cada toque avança uma mensagem): há histórias que acumulam mais de 5 milhões de toques.
"O comportamento do leitor está se modificando rapidamente e dramaticamente, especialmente nas gerações mais jovens. No caso dos livros, 80% dos jovens que leem preferem fazê-lo em dispositivos digitais. E o primeiro ponto de contato para quase todo tipo de mídia digital está sendo cada vez mais o smartphone", relata Esha Gupta, diretora de conteúdo da Hooked, em entrevista por email para Mobile Time. E complementa: "Enquanto o comportamento do leitor muda, o formato dos romances não mudou nas últimas centenas de anos. Romances tradicionais são divididos em capítulos que podem levar até uma hora para serem lidos. Mas o tempo médio de duração de uma sessão móvel é de dois minutos e meio a cinco minutos." A executiva conclui: "Não acreditamos que a demanda por leitura esteja acabando. Apenas entendemos que a leitura precisa mudar: a forma como são criadas histórias precisa fazer sentido para a maneira como vivemos hoje. Começamos o Hooked com o objetivo de repensar como se contam histórias, a partir do zero, para as novas gerações."
No caso do Yarn, o ponto de partida também foi a observação do comportamento do público adolescente, mas, no seu caso, a partir de outro app que sua controladora, a Mammoth Media, possui, o Wishbone, no qual jovens trocam opiniões e conversam sobre cultura pop. "Nós fizemos muitas pesquisas e testamos vários formatos entre os usuários do Wishbone para descobrirmos de verdade que tipo de conteúdo os consumidores gostam, como querem consumi-lo, a extensão ideal etc. Isso nos levou às histórias de ficção narradas através de mensagens de texto. Baseado na resposta dos nossos usuários, estamos trabalhando em vários formatos para satisfazer suas necessidades. Este é apenas um deles", diz Benoit Vatere, CEO e cofundador da Mammoth Media, também em entrevista por email para Mobile Time.
Produção
O Hooked tem mais de 2 mil histórias em seu catálogo. O Yarn, mais de 500. Todos os dias novas histórias são adicionadas. A maioria dos apps conta com uma equipe própria de escritores, para a produção de conteúdo exclusivo. No Tap, é possível ver o perfil de cada autor e segui-lo, para acompanhar a sua produção. Alguns apps abrem a possibilidade para conteúdo gerado pelos usuários. Para demarcar a diferença e valorizar sua produção própria, o Tap informa como "Tap Originals" o que é escrito por seus autores – tal como faz o Netflix. O sucesso desse novo formato de ficção é tão grande que já existem apps falsos que pirateiam as histórias.
A maior parte do conteúdo é escrito originalmente em inglês, mas alguns apps traduzem as histórias para outras línguas. É o caso do Hooked, que disponibiliza seu conteúdo também em francês, italiano, espanhol, português, coreano e japonês.
Modelo de negócios
A maioria dos apps de histórias de bate-papo trabalha com o modelo de negócios freemium. O leitor consegue acessar de graça um número limitado de histórias ou de mensagens dentro das histórias. Quando atingido esse limite, o app trava e inicia uma contagem regressiva para ser liberado de novo – no caso do Yarn, por exemplo, são 25 minutos. Quem quiser ter acesso ilimitado precisa pagar uma assinatura, que pode ser semanal, mensal ou anual, dependendo do app. O Hooked, por exemplo, cobra R$ 14,99 por mês. O Yarn, nos EUA, trabalha também com publicidade, permitindo que o leitor acesse as histórias se assistir a um anúncio em vídeo.
As empresas não abrem projeções de números para o futuro. Mas Gupta, da Hooked, diz que o foco em 2018 será no desenvolvimento de histórias. "Nossa meta é construir o próximo Netflix. Queremos ser o destino móvel número 1 para histórias verdadeiramente incríveis em todos os meios", afirma.
Análise
Os enredos das histórias de bate-papo costumam refletir a cultura dos autores, em geral os EUA, o que se nota, dentre outras coisas, pelos nomes dos personagens, que são traduzidos. Há espaço, portanto, para produção local em outros países, como o Brasil, com enredos que se passem na realidade brasileira, inclusive com as abreviações usadas pelos jovens do País em suas conversas online. Chama a atenção, ao menos nas histórias analisadas por este noticiário, a ausência do uso de emojis, algo tão comum na troca de mensagens entre jovens brasileiros hoje em dia.
O mais complicado, por aqui, contudo, seria a monetização. Dificilmente o público adolescente nacional estaria disposto a pagar uma assinatura por esses serviços. E, pelos comentários nas lojas de aplicativos, nota-se que o público brasileiro não gosta ou não entende o motivo do bloqueio do app na versão gratuita. Talvez o caminho seja trabalhar com publicidade, ou patrocínio de alguma operadora.