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Uma nova estratégia de operadoras móveis está provocando uma verdadeira revolução digital em mercados emergentes na Ásia. Ela consiste em montar uma rede completamente nova, com cobertura 100% 4G, oferecer voz ilimitada de graça com a tecnologia VoLTE (voice over LTE) e dados ilimitados a preços baixos – o que só é possível porque não há os pesados custos de manutenção de redes antigas em 3G ou 2G. Paralelamente, são firmadas parcerias com fabricantes locais e com fornecedores de processadores, como a Qualcomm, para viabilizar a produção de aparelhos 4G a preços módicos, garantindo o acesso da população mais pobre a essa tecnologia. Índia e Malásia são os primeiros mercados e testemunharem os efeitos da chegada de novos entrantes com essa estratégia.

O caso mais emblemático de operadora que trilhou esse caminho é o da Jio, uma nova tele indiana, controlada por um grande grupo empresarial local, o Relliance. Lançada em setembro de 2016 com voz ilimitada de graça, dados ilimitados por uma assinatura mensal abaixo de US$ 10 e um celular 4G feito sob medida vendido por menos de US$ 30, ela chacoalhou o mercado local, obrigando as concorrentes a reagirem com ofertas parecidas. Com isso, em apenas 12 meses, o mercado indiano de telefonia móvel deixou de ter suas receitas concentradas em voz e passou e ser guiado por planos de dados. Um ano atrás, a Índia figurava na 155ª posição no ranking dos mercados com maior volume de tráfego de dados móveis, agora, está em primeiro lugar, à frente dos EUA. Ou seja, a rede móvel da Índia é hoje a maior consumidora de dados móveis do mundo.

O sucesso da Jio foi tão grande que ela conseguiu em menos de um ano sair de zero para mais de 100 milhões de assinantes. O número mais atualizado, de setembro passado, é de 138,6 milhões de assinantes. “No pico chegamos a adicionar sete clientes novos por segundo e 1,4 milhão em um único dia”, relata Mathew Oommen, presidente da Jio.

A Jio sozinha trafega mais dados que todas as suas concorrentes juntas. Somente no terceiro trimestre a empresa registrou 3,78 bilhão de GB trafegados. Cada assinante da Jio consome, em média, 10 GB por mês em seus smartphones. Além disso, diariamente a operadora computa 2,67 bilhões de minutos de voz com tecnologia VoLTE. Em média, são 626 minutos por usuário/mês. E seus assinantes consomem 1,78 bilhão de horas de conteúdo de vídeo nos smartphones por mês, ou 14 horas de vídeo por usuário/mês. “Somos a operadora com o maior tráfego de dados do planeta”, afirma o executivo.

A operadora já começa a colher frutos financeiros pela sua ousadia. Embora sua receita média por usuário (ARPU, na sigla em inglês) seja relativamente baixa, girando em torno de R$ 8, a empresa já conquistou Ebitda positivo. O que também só é possível por causa da sua estrutura enxuta.

Oommen atribui o sucesso a uma enorme demanda reprimida por dados móveis na Índia, que está relacionada a características demográficas: trata-se do país com a maior população jovem do mundo. Estima-se que em 2020 a população da Índia será de 1,35 bilhão de pessoas. E em 2025 seu PIB deve chegar a US$ 7 trilhões.

Malásia

Outro mercado no qual a mesma revolução móvel está acontecendo é a Malásia, onde um tradicional grupo empresarial chamado YTL, oriundo dos setores de construção civil e eletricidade, decidiu criar uma nova operadora celular com rede 4G “pura”, a Yes. Lançada em junho de 2016, seu modelo de negócios é basicamente o mesmo da Jio: firmou parcerias para a oferta de um aparelho 4G a preço baixo, ofereceu voz ilimitada de graça e dados ilimitados a um preço acessível (US$ 0,80 por GB).

A Yes montou a primeira rede 4G nacional da Malásia, a única também a oferecer VoLTE no país inteiro. Com 80 MHz de espectro e investimento de quase US$ 1 bilhão, a empresa implementou uma rede com 5 mil torres, que cobrem 85% da população.

“A Malásia tinha 135 linhas móveis para cada 100 habitantes, mas apenas 35% da base acessava Internet móvel. Temos a terceira maior população do mundo, com 641 milhões de pessoas, 50% delas com menos de 30 anos de idade e 90% empregadas em pequenas e médias empresas. Somos a sétima maior economia do planeta. Esses dados foram a base do nosso plano de negócios”, revela Wing K. Lee, CEO da YTL Communications, controladora da Yes. “Queremos viabilizar uma economia digital na Malásia”, resume.

Governo e educação

O momento de chegada da Jio ao mercado não poderia ter sido mais oportuno, pois coincide com uma série de projetos do governo indiano para incentivar a economia digital. Dois dos mais famosos consistem na produção de carteiras de identidade eletrônicas com autenticação biométrica e o incentivo ao uso de carteiras digitais no smartphone, com pagamento via QR codes que identificam os lojistas, em uma iniciativa que une bancos locais, bandeiras de cartão de crédito e comerciantes.

No caso da Yes vale destacar o seu interesse de não restringir sua atuação à telefonia móvel. Seu grupo montou uma plataforma de educação digital que atende a 5,5 milhões de estudantes  e 500 mil professores.

Análise

É esperado que o sucesso registrado por Jio e Yes se espalhe por outros mercados emergentes onde haja condições para tal, a saber: espectro disponível para um novo entrante em 4G e grupos sólidos de investidores dispostos a arcar com o custo inicial de implementação das redes. Cristiano Amon, vice-presidente executivo da Qualcomm, prevê que o exemplo poderá ser seguido em outros mercados na Ásia, como Indonésia e Vietnã.

No Brasil, falta espectro disponível em âmbito nacional para que surja uma nova operadora com rede 100% 4G e cobertura em todo o País. Por outro lado, as teles que operam no Brasil estão seguindo a tendência de oferecer voz ilimitada, embora a oferta em geral dependa do plano, e também começam a gradativamente a implementar o VoLTE, enquanto aumentam as franquias de dados.

Oommen, Lee e Amon participaram na semana passada do 4G/5G Summit, em Hong Kong.

 

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