A World Foundation – empresa que oferece criptomoeda por dados biométricos via coleta de íris, realizada no Brasil pela colaboradora Tools For Humanity (THF) – divulgou comunicado à imprensa nesta quarta-feira, 29, afirmando estar “operando legalmente amparada por recurso” na Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). O órgão ainda não analisou a solicitação de retomada da prática mediante compensação financeira, no entanto, por se tratar de pedido com o chamado “efeito suspensivo” ficou convencionado que a restrição não teria impacto até a conclusão da análise. 

A medida preventiva publicada pela ANPD na última sexta-feira, 24, suspendeu a compensação financeira pela coleta biométrica em questão, por indícios de violação da Lei Geral de Proteção de Dados  – LGPD (veja detalhes mais abaixo). A empresa se reuniu com representantes do órgão na segunda-feira, 27, quando apresentou o recurso para anular a decisão da autarquia.

Até o final da tarde desta quarta-feira, 29, a informação da ANPD é a de que “o recurso se encontra em avaliação pela equipe de fiscalização” e “será decidido pelo Conselho Diretor com a devida urgência”.

A coleta da íris é usada para criação de ferramenta para validar acessos digitais, como uma modalidade alternativa a outras já utilizadas para barrar “robôs” em atividades virtuais. A ideia vem sendo apresentada como um recurso de segurança aliado a aplicações de inteligência artificial. 

Na nota encaminhada à imprensa, a World argumenta que “não é incomum que ideias inovadoras e novas tecnologias levantem questionamentos” e que “tem colaborado ativamente com a autoridade regulatória brasileira”. 

Investigação

O procedimento de fiscalização do caso da coleta biométrica de íris foi instaurado pela ANPD em novembro de 2024, visando apurar o chamado “Protocolo World ID”, realizado pela empresa World Foundation. Inicialmente, a autoridade questionou qual seria o contexto em que são realizadas as atividades de tratamento de dados pessoais. 

O órgão recebeu a resposta ainda no mesmo mês, quando a THF se apresentou como representante da World Foundation quando se tratar de prática em questão e argumentou que o procedimento visa oferecer “segurança digital em contexto de ampliação das ferramentas de inteligência artificial”. 

A empresa detalhou que faz a anonimização dos dados e a criptografia das fotos. Ao apresentar a hipótese que legitimaria a coleta com base na legislação brasileira, a intituição alega o “consentimento” dos participantes.

De acordo com a LGPD, o consentimento é a “manifestação livre, informada e inequívoca pela qual o titular concorda com o tratamento de seus dados pessoais para uma finalidade determinada”.

A nota técnica da ANPD que baseou a medida preventiva de suspender os pagamentos reconhece que “existem muitos aspectos que precisam ainda ser analisados quanto à conformidade do tratamento em questão com a LGPD”, o que deve ser feito ao longo do procedimento de fiscalização, mas destaca que “há, porém, uma questão que merece atenção imediata: a contrapartida financeira recebida pelos titulares de dados que concordam com a coleta dos dados de sua íris, por meio do consentimento”, pois “entende-se, a princípio, que essa compensação tem o potencial de prejudicar a manifestação livre do titular, condição primordial para que a hipótese legal do consentimento seja adequadamente utilizada”.

A possibilidade de pagamento é prevista nos Termos e Condições de Usuários, indicando que o titular de dados pode reivindicar “tokens” pelo fornecimento de categorias de dados especiais sensíveis, que correspondem a criptomoedas que podem ser transacionadas em aplicativo da empresa, chegando a R$ 300 e R$ 470. 

A análise preliminar feita pela ANPD observa que “à primeira vista, a oferta de contraprestação pecuniária pode ser interpretada como elemento que interfere na autonomia do titular”, já que “influencia sobremaneira na decisão quanto à disposição de seus dados pessoais, especialmente em casos nos quais potencial vulnerabilidade e hipossuficiência tornem ainda maior o peso do pagamento oferecido para a sua tomada de decisão”. 

A violação da lei estaria no entendimento de que “a manifestação da vontade, nesses casos, é menos autônoma e mais influenciada por fatores externos, prejudicando o qualificador ‘livre’ exigido pela LGPD para que o consentimento seja válido – especialmente por se tratar de um dado pessoal sensível, em relação ao qual os parâmetros de proteção são mais elevados”.

Transparência

A medida preventiva levou em conta também a falta da indicação pública de encarregado de dados, ou seja, pessoa responsável por responder sobre o tratamento de dados perante a autoridade e os titulares. 

“Analisando-se a página na qual são divulgados os endereços de coleta no Brasil, não foram encontradas quaisquer referências ao encarregado de dados pessoais em nenhuma das seções do site – sendo que essa informação precisa estar acessível, de maneira fácil, para o titular. É flagrante, direta e evidente, portanto, a existência de comportamento em desconformidade com a LGPD, cuja gravidade é acentuada pela natureza do tratamento realizado, que envolve dados sensíveis e em relação aos quais existem, ainda, dúvidas e ponderações”, concluiu a ANPD na avaliação.

A autoridade também notou a ausência de links diretos para os Termos de Uso das organizações, suas Políticas de Privacidade ou o Termo de Consentimento para a coleta dos dados nos sites da empresa. As informações foram dispostas apenas em página de perguntas frequentes, mas com detalhes em inglês. Para o órgão regulador, essas questões de transparência “também podem repercutir na validade do consentimento” dos participantes dos procedimentos.

No comunicado encaminhado à imprensa, a World afirma que “trabalha para estar em total conformidade com todas as leis e regulamentações aplicáveis ao tratamento de dados pessoais nos mercados em que atua. E também tem empenhado todos os esforços para esclarecer a população sobre os enormes benefícios que a nova tecnologia trará para a humanidade”.

Imagem principal: Ilustração gerada por IA pelo Mobile Time.

 

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